Primavera
Ela passou o sábado ocupada a tratar da roupa, mudar os lençóis das camas, aspirar, enfim, a fazer o que vai ficando para trás durante a semana, entre o emprego e o filho. Hoje, como ele foi para casa do pai, aproveitou. Mas quando a luz do dia acaba e se senta sozinha na sala, a penumbra e o silêncio trazem uma melancolia. De modo que decide sair, ver gente, tomar um café.
Na rua, vai caminhando devagar, apreciando o perfume da Primavera. Pára por momentos, atraída por uma montra. Ele cruza-se com ela nesse momento e vê-a a sorrir sozinha, a olhar para a montra, mas não percebe a razão. Foi porque achou graça a uma bola de vidro, daquelas que neva se for agitada.
Mais à frente, ele dá com uma esplanada e pára a ponderar. Há uma mesa livre e o ambiente é convidativo. A noite está amena e as pessoas conversam animadamente ali à beira do movimento tranquilo do bairro. Pensa não tenho pressa para nada, encolhe os ombros instintivamente e resolve ficar.
Já na esplanada, ela repara numa mesa vazia e, ao passar por ele, vê-o avançar também para a mesa. Sorriem um para o outro, constrangidos. Quer sentar-se?, pergunta ele. Não, deixe estar, responde ela. Parece que não há mais nenhuma livre, diz ele, podemos ficar os dois nesta, se não se importar. Ela hesita um segundo, mas aceita.
Apresentam-se, pedem cafés, falam do tempo maravilhoso que faz. Depois descobrem que moram no mesmo bairro e cresceram na mesma escola, embora não se lembrem um do outro. Ela refere que tem um filho, que hoje está com o pai. Ele mostra-lhe a mão aberta, sem aliança e diz eu ainda nem sequer casei.
Passou uma hora e, repentinamente, ela anuncia que tem de ir. Contudo, de regresso a casa, pensa que gostou dele e recrimina-se por ter cedido aos receios, por se ter afastado, por não se querer apaixonar com medo de sofrer. Já ele, pensa que estúpido, nem sequer lhe pedi o contacto! E, num impulso, vai atrás dela. Percorre dois quarteirões a correr, sem a descobrir, volta para trás, lança um olhar em redor e dá com ela no passeio do lado de lá. Atravessa a rua, chama-a, alcança-a quase sem fôlego.
Ela vira-se, surpreendida, e ele a rir-se, a arquejar, pede-lhe só um bocadinho para recuperar. Que foi?, pergunta-lhe, divertida. É que não me deu o seu número de telemóvel e podem passar mais vinte anos sem nos voltarmos a cruzar. Ela solta uma gargalhada, dá-lhe o número, diz-lhe adeus outra vez. Deixa-a ir com um aceno cansado, encosta-se a um carro, grava o número e liga-lhe. Ela acabou de virar a esquina, abana a cabeça, atende.
E já agora, diz ele, como estamos os dois sozinhos, não quer vir jantar comigo?