Ficha Técnica
A DIVINA MISÉRIA
Autor: João de Melo
LIVROS D'HOJE
Publicações Dom Quixote
[Uma editora do Grupo LeYa]
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide • Portugal
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor
© Nilton e Publicações Dom Quixote, 2009
Capa: Filipe Simões e Planeta C
Revisão: Eulália Pyrrait
ISBN: 9789722042833
www.livrosdhoje.leya.com
.PRÓLOGO.
Eu amo você (dito com o devido sotaque brasileiro) saiu deste cérebro que vos fala por mero acaso. A minha eterna parvoíce aliada a uma forte vontade de pregar partidas fez com que um dia o começasse a dizer em telefonemas anónimos aos amigos próximos. Um dia apeteceu-me fazer isso na televisão. Resultou em algo maior que a própria frase.
O livro chama-se assim como se poderia chamar, Quero Lá Saber, o Meu Pai Tem Um Quiosque, mas achei que ocupava demasiado espaço.
Os textos que aqui coloco têm-me acompanhado ao longo dos anos. Dissertações várias, em blocos de notas, crónicas e espectáculos. Visões distorcidas e tudo o que penso sobre o mundo em geral e sobre este país em particular.
Isto não é um país, é um sítio e ainda por cima mal frequentado.
EÇA DE QUEIRÓS
.INTRODUÇÃO.
Bem-vindo ao meu livro, quer tomar alguma coisa? Sente-se e fique à vontade. Agradecia que não começasse ainda a ler porque estamos à espera de mais pessoas. Se quiser, pode tirar-me uma dúvida enquanto esperamos.
Um filho único nunca poderá praticar encesto, pois não?
O TUGA
O tuga é algo que está dentro de todos nós. Algo que vem no nosso ADN, algo mais forte que nós e que nem sempre conseguimos explicar.
Exemplos, somos o único povo do mundo que consegue andar com um telemóvel até ele se desfazer de tão velho que está, mas sem nunca tirar o plástico que protege o ecrã. Já a levantar nos cantos, quase que a pedir para ir embora, e o tuga tenta colá-la de novo com cuspo.
Os amigos a dizerem: «Então, não tiras esta porcaria?!»
E o tuga: «Psst! Não mexas aí! Isto é para ficar quieto.»
Esta será certamente uma herança portuguesa das capas dos bancos no carro. Antigamente havia esta mania de manter as capas para os estofos ficarem imaculados. O carro podia estar a cair de podre, mas os estofos estão impecáveis.
Não sei se já repararam, mas somos também os únicos no mundo a usar o «aperto de mão à mecânico». Sempre que um português tem a mão suja ou molhada e tem de cumprimentar alguém, dobra-a e oferece o pulso para a outra pessoa apertar. Por alguma razão que ainda não consegui explicar, o tuga é tão... chamemos-lhe educado, que prefere fingir que tem um coto, como se uma serra lhe tivesse levado o resto do braço, do que deixar de cumprimentar os demais, e isso é de valor.
É impressão minha ou a maioria dos homens deste país só lava as mãos nas casas de banho públicas se lá estiverem outros homens?
Reparem nas bombas de gasolina em que alguns estão a sair e ainda vêm a apertar a braguilha. A minha dúvida é: Se eles ainda estão a fechar as calças, lavaram as mãos com elas abertas ou saíram directamente do urinol para a rua? Pelo sim, pelo não, em bombas de gasolina ou centros comerciais nunca apertem as mãos a gente que veio do perímetro das casas de banho.
O que é que se passa com os símbolos nas casas de banho? Custa muito simplificar a coisa? Nos últimos anos noto que começou uma mania de nos dificultarem a tarefa mais simples do mundo que é uma pessoa perceber onde é a casa de banho dos homens e onde é a das mulheres. Simples. Alguém se fartou do bonequinho da cartola para nós e da bonequinha de saia para elas e resolveu complicar. Ora é por cores, ora são os cromossomas, sim, porque eu estou cheio de vontade de fazer chichi e ainda tenho de me estar a lembrar das aulas de biologia. A setinha e o sinal de mais são as coisas que mais me ocorre quando estou a fazer chichi pelas calças abaixo. E os bonequinhos estranhos. Quase que é preciso consultar as soluções. Nós sabemos que na sociedade as coisas já não estão tão lineares quanto homem/mulher, mas enquanto não fizerem uma casa de banho para os que não são nem uma coisa nem outra, fiquem-se pelo básico.
Já agora, porque é que não metem também sudoku ou palavras cruzadas? Quem não acertar, fica à porta ou vá fazer em casa.
Parem lá com isso, não me parece o sítio nem a hora correcta para complicar.
Quem é que inventou os fechos dos sutiãs?
Ninguém me tira da ideia que uma coisa tão difícil de abrir só pode ter sido pensada pelo pai de uma miúda com o peito grande.
Valas comuns. O que é que me dizem, são ou não um sítio quentinho e aconchegado?
Já que falamos de coisas bonitas, atentemos para uma invenção portuguesa. Pergunto eu à ganância:
Será que foi por já estarmos habituados a ter de disfarçar a porcaria que fazemos que inventámos o papel higiénico às cores?
Que mais desculpas haverá para que os outros países pensem em curar doenças e nós só nos lembremos de coisas para tornar a vida dos daltónicos ainda mais complicada?
Eu não posso deixar de perguntar: Ele nota?
Eu confesso que não tenho assim uma relação tão grande com o meu para que lhe possa perguntar isto directamente. Sou assim uma pessoa afastada, não mantenho relações de confiança com o meu corpo todo.
Sei que a minha mão gosta de uma luva quentinha. Sei que a minha cabeça agradece um chapéu se estiver sol, sei que os meus dentes não gostam de cáries. Mas será que ele gosta do papel às cores? Terá cheiro e isso, parecendo que não, ajuda? Pelo sim, pelo não, sinto-me na obrigação de vos alertar. Se começarem a ver papel higiénico reciclado, desconfiem.
Outra pergunta parva: Como é que um cego sabe se é de dia ou de noite?
Já repararam que para lavar a cabeça o tuga usa «shampum». Não sei se é porque o champô está muito caro, o que é certo é que não encontro ninguém que use champô. Shampum é que está a dar.
Normalmente são o mesmo tipo de pessoas que diz «onteontem».
Ainda sobre essa coisa para lavar a cabeça, já me começa a irritar essa mania que as marcas de champô têm de volta e meia anunciarem que os seus produtos dão mais 10% de eficácia. Vejo anúncios de televisão a dizer: Agora com mais 10% de eficácia. A pergunta para estas bestas é: Vocês acham que ainda não estamos preparados para a eficácia toda de uma vez?
Quantos anos mais vão dá-la aos bocadinhos?
Eles estão lá sentados na fábrica a pensar: Bem, vamos dar mais 10% de eficácia que é para aqueles malucos irem testando isto aos poucos. Não vamos abusar... e 10% já é coisa para perderem a cabeça!
É que se o novo tem mais 10% de eficácia, o último champô que comprei era uma porcaria. Já nem pergunto como é que eles medem a eficácia de um champô. Fazem-no correr em pista de tartan?
Obrigam-no a fazer testes psicotécnicos?
Uma ideia: Dêem logo a eficácia toda e comecem a inventar outra porcaria qualquer.
Agradecido.
Impressão minha ou o português é o único povo do mundo que está só a ver?
Entramos em loja qualquer, a empregada pergunta se precisamos de ajuda e o que é que o tuga responde?: «Não, não. Estou só a ver.»
Ainda por cima é mentira porque o português é incapaz de estar só a ver (mesmo numa casa de strip), nós escolhemos qualquer coisa como escolhemos fruta, a mexer!
No caso da fruta mexemos e cheiramos para ter a certeza de que aquela é a fruta que estamos a escolher. O tuga pega na maçã, cheira para ter a certeza que é uma maçã. Não vá ser uma banana disfarçada de maçã, que as bananas têm a mania de fazer isso.
Continuando, por mais estranho que possa parecer, os portugueses dizem que estão só a ver porque não gostam que o empregado venha ter com eles. Mas se ele não disser nada, passa por antipático.
Por isso é que em muitas lojas já optaram pelo método: «Se precisar de ajuda, diga!», que é o mesmo que se o empregado quisesse dizer: «Se precisar de ajuda, diga, se não, veja, mexa, revire, desarrume, e ponha-se na alheta porque eu já sei que não vai comprar nada!»
Eu que nasci em Angola lanço esta dúvida: Cada vez que alguém diz que deu um tiro no escuro, morre ou não um africano?
Não sentem o ar mais puro? Estava aqui a ler quantos já morreram com a gripe A e pensei que já se notasse que o ar está menos carregado.
Não percebo estas leis ambientais. Por um lado, querem que as pessoas separem o lixo e proteja o ambiente, por outro, deixam o Fidel Castro estar a apodrecer a céu aberto há mais de duzentos anos.
Enquanto a Vanessa Fernandes deu três voltas a correr ao planeta, estava eu aqui a pensar: antes de ser famoso, o Tony Carreira chamava-se ou não António Autocarro?
Da mesma forma descarada, pergunto se deveria ou não haver uma hora certa para as pessoas irem pagar as contas no multibanco.
Há lá coisa pior que querermos levantar dez euros para o táxi e termos de levar com a malta que resolveu carregar o telefone, pagar o gás, a água, a electricidade, a tv-cabo e mais as transferências para a conta do filho que está a estudar em Coimbra para ser um grande médico e daqui a uns anos dar também ele seca aos doentes que morrem a prazo nas salas de espera?
Eu não consigo assistir a cenas destas sem que tenha vontade de espancar o indivíduo. Porque eles nunca estão organizados. Andam ali às voltas com os papéis e tiram o cartão e voltam a colocar e vêem o saldo e enganam-se no código.
Marquem uma hora certa para isso ou vai começar a morrer gente.
Agora que já limpei isto da alma, pergunto-vos honestamente: As pessoas que se divorciam não deveriam ser obrigadas a devolver os presentes?
Esta semana descobri que se vão desatrelar mais dois que vi matrimoniar.
Ora se eu já fiquei chateado por a minha amiga me ter convidado e feito perder um dia que dificilmente recupero – mesmo que continuassem casados nunca lhes perdoaria isso –, irrita-me ainda mais que me tenham feito gastar mais do que mereciam numa prenda que agora ficou para o noivo, que ainda por cima nem me convidou para o casamento dele porque eu vinha da parte dela. Basicamente ofereci uma coisa de duzentos e cinquenta euros a um caramelo que não conheço de lado nenhum!
Vão divorciar-se? Chatice, tenho muita pena, então venha para cá a prenda. Sem pruridos. Até deveria ser de lei.
Em vez de um acordo ortográfico, entre Portugal e Brasil não será mais urgente fazer um acordo pornográfico?
Não sei. Só estão a seguir o meu raciocínio, mas uma coisa dessas só poderia trazer benefícios a Bragança em geral e aos dois países em particular.
Quem é a pessoa que tomou conta da cara da Manuela Moura Guedes? Eu não sei quem ela é, mas isso não se faz. A Sra. Manuela é boa pessoa e não merecia que esta senhora tomasse conta da cara dela. Eu digo senhora, mas pelas bochechas também posso arriscar que tenha sido o Dr. Mário Soares.
Já que este livro se está a tornar uma partilha, aproveito para dividir mais um pensamento com o caro leitor que pelos vistos não deve ter mais nada para fazer. Então aqui vai mais uma dúvida à discussão: porque é que em vez da Maddie, os raptores não levaram um dos gémeos? Assim ninguém se chateava.
Da mesma forma me revolto contra o pai biológico da pequena Esmeralda. Aquela história da menina que foi adoptada e depois entregue ao pai adoptivo. Então mas o senhor não sabia fazer gémeas? Assim, era uma para ele outra para o GNR e não se falava mais no assunto. Às vezes parece que não pensam.
A minha teoria é que um pai que tem gémeos vive descansado. Acontece alguma coisa a um, tem outro. Nesse caso, um deles pode até dedicar-se a desportos radicais que uma pessoa nem se importa. Telefonam da escola: O seu filho partiu a cabeça. O que é que um pai pensa: Não me importa, tenho aqui outro igualzinho, está impecável!
Nem se devia chamar gémeos, devia chamar-se back up.
Já vos disse que sei falar francês em sete línguas diferentes? Espectáculo!
Outra coisa que continuo a não perceber é esta mania de os ambientalistas quererem baixar o aquecimento global!
Como é que algum homem pode ser contra uma coisa que, mais dia, menos dia, fará com que as mulheres andem o ano inteiro de top?
O arco-íris é ou não o clima a ser um bocadinho «larilas»?
Sem querer ofender ninguém, não consigo perceber o que se poderá passar para de repente o clima se armar em «panisgazinho».
O clima tem coisas espectaculares e viris, consegue mandar para cá tornados, raios, tufões, ventos que arrancam casas e depois assim do nada anda a fazer «corzinhas» no ar como se de repente estivesse a convidar as nuvens para uma festa gay.
Prefiro que o clima me leve o telhado da casa, a andar com essas mariquices.
O WC Pato tapa ou não o nariz quando as pessoas se sentam na sanita?
Ainda não percebi também o que anda a fazer a Al-Qaeda.
O 11 de Setembro já foi em 2001 e as torres das Amoreiras em Lisboa continuam de pé porquê?
Que história esta de homens serem mães?
Será bom para a criança ouvir a outra mãe a gritar: «Zé Carlos, vem dar de mamar ao teu filho!»
Vocês não têm nada a ver com isso, mas às terças-feiras, pelas 10h53 da manhã, dá-me para reparar que alguns portugueses pensam que Expresso é um autocarro.
Lê-se tão pouco em Portugal que fico com a ideia de que algumas pessoas entram num livro com o mesmo medo de quem entra na água fria do mar.
Porque é que as pessoas folheiam os livros novos na livraria?
Estão com a esperança de encontrar lá alguma coisa?
Eu vejo as pessoas a fazer isso e parece que se esqueceram lá de um documento.
«E tinha quase a certeza que o tinha deixado aqui...»; ou estão à procura de algum ponto onde o autor tenha falado deles.
«Será que ele diz alguma coisa sobre mim?»
O que é que haverá no meio do livro que nos leve a fazer tal coisa?
Paremos então com isso.
Há uma coisa gravíssima em Portugal que é o facto de a nossa bandeira ter deixado de ser símbolo de uma nação para passar a ser conotada com futebol. Bandeira na janela não é patriotismo, é porque vai haver Europeu ou Mundial.
Mas a grande questão é que convém avisar a malta que tem este ímpeto que o lado vermelho é para a direita. Já que se querem armar em patriotas, ao menos façam-no da forma correcta. Agora o senhor Scolari vai ali contar novamente as notas dos ordenados que ganhou enquanto vocês andavam a pendurar a bandeira ao contrário.
Eu não frequento, mas os leitores irão certamente a casa das pessoas, certo? Então será que lhes podem explicar que não é suposto vestirmos os cães?
Se a ideia fosse que o animal saísse à rua com camisas mais floridas do que os casacos do Goucha, eu acho que Deus, ou lá quem fez os cães, ter-se-ia lembrado disso.
Ninguém roça o assunto nas notícias, mas aposto que todas as pessoas que foram atacadas por cães vinham vestidas de forma duvidosa. E ninguém pode culpar um animal por ter bom gosto.
A semana passada vi um documentário sobre ursos panda em extinção. Eu acho que os pandas não estão em extinção, são os animais feios que os matam.
Toda a gente se derrete com os pandas, os outros ficam com ciúmes e limpam-lhes o sebo. Não só apoio como acho muito bem!
Imagino na selva os outros ursos a verem um panda e a exclamarem «Olha lá o filho da #### tão giro que ele é... tão fofinho! Ora toma!»
Se eu fosse um atum, faria o mesmo aos golfinhos. Cada golfinho que visse, ceifava-o. Uns são muito bonitos e ai, coitadinhos deles, e os outros são para comer em lata?!
Porque é que quando vemos namorados na praia há sempre um casal em que ela está a rebentar os pontos negros ao namorado?
Que obsessão é esta que as mulheres têm por pontos negros? A forma como somos espremidos é o mais perto que um indivíduo tem de um interrogatório da Polícia Judiciária.
Desconfio que elas querem vingar-se de nós e a melhor forma que encontraram é espremerem-nos a pele. Acho mesmo que no íntimo todas as mulheres que fazem isso estão cheias de raiva a espremer e a pensar: «Vocês homens são todos iguais!»
É a única explicação que eu arranjo, porque mesmo que nós gritemos elas continuam a espremer cada vez com mais força! Ou isso, ou tiram prazer daquilo, porque já vi homens gritar de dor: «Ai! Ai! Ai! Ai!» E elas: «Só mais um bocadinho, está quase! Está quase!»
A minha pergunta é, está quase a quê? A nascer? Não me digam que dali vai parir um ponto negro bebé!?
Porque as mulheres encaram o espremer pontos negros ao parto! Parecem médicos a falar. «Está quase, só mais um bocadinho! Vamos lá, está quase a sair! Só mais um bocadinho! Já lhe vejo a cabeça! Está quase!»
Sei que esta conversa é um nojo, mas que raio de parte é esta do nosso corpo que sai espremendo?
Se fosse assim com os braços e o resto do corpo? Espremiam-nos na zona do ombro e o braço, «ploc»! Saltava fora!
E que raio de nome é esse. Pontos negros!? Pontos negros é o que vejo quando sobrevoo a Damaia.
O que é que será que o ponto negro pensa que lhe está a acontecer? Porque temos de ver a coisa pelo outro lado. Eles estão ali, na vida deles, sem fazer mal a ninguém, porque eu acredito que é assim. Nunca vi um ponto negro a maltratar fosse quem fosse, a chamar nomes feios, nunca. Nunca vi um ponto negro a fazer alguma coisa que se possa dizer, olha bem feita que te espremeram, estavas mesmo a pedi-las!
É que o desgraçado está ali na vida dele. Debaixo da pele, quentinho, e quando dá por ela andam umas unhas a cercá-lo! Unhas que mais parecem bisturis, porque vocês sabem que unhas de mulher é coisa que corta mais que uma faca de cozinha afiada. As unhas e a língua.
E então o que é que ele pensa: «Caraças! Fui descoberto!»
O leitor não sabe disto, mas eu conto. O ponto negro é um ser muito curioso e volta e meia coloca a cabecita de fora para ver o que se passa e tumba!
Ora a mulher, como é sabido, tem um detector de pontos negros. E está sempre ligado, ti ti ti ti ti ti!
As últimas palavras da pobre criatura devem ser: «Ai! Ai! Eu não fiz nada! Ahhh!»
As mulheres têm atracção por três coisas: centros comerciais, saldos e pontos negros.
Eu sei de uma amiga que começou a namorar com um rapaz só para lhe rebentar os pontos negros. Depois acabou com ele sem rebentar o ponto negro principal, o que eu acho mal feito.
Há em mim uma dúvida que não me deixa dormir: Será que quando um carro vê a traseira de um camião pensa: «Ganda cu!»
Outra coisa que ainda não percebi no tuga. Porque é que queremos sempre partilhar o que é mau?
Temos uma coisa a dar choque e o que é que dizemos a quem está ao nosso lado? «Isto está a dar choque, ora põe aqui a mão.»
E o outro põe! É parvo!
Admiro ainda mais quando estamos a beber leite e achamos que o leite está azedo, sim, porque nós achamos sempre que o leite está azedo, e então o que é que fazemos se tivermos alguém por perto? Damos a provar.
«Isto está azedo, ora prova!»
E o outro prova! É mais parvo ainda!
Porque é que ninguém faz isso com as namoradas? Ninguém chega ao pé de mim e diz: «Nilton, a minha namorada na cama é um espectáculo, ora prova!»
Quanto mais desgraças vejo neste país, mais concluo que o português é o povo mais optimista do mundo.
Não conheço nenhum outro que mesmo perante a maior desgraça diga sempre: «Podia ter sido pior!»
Acho até que a expressão «Podia ter sido pior» só tem significado na nossa língua. O português pode ver uma explosão com 50 mortos e 500 feridos, mas diz sempre: «E olha que isto podia ter sido pior!»
Porque o português tem uma imaginação muito fértil. Ele imagina sempre um cenário muito pior. Uma colisão com 30 carros em que dois capotaram. O português imagina a mesma coisa mas com todos capotados e um avião a cair no local ao mesmo tempo. Porque para o português isso é perfeitamente possível, e qual a razão? O português já viu isso num filme, acto contínuo, podia acontecer!
Eu acho que esta é a maneira de o português não ficar tão desiludido com o que viu. Porque o tuga tem esta mania estranha de ir ver tudo o que é desastre e quando lá chega, raramente é algo digno e nota, logo, o melhor é construir um cenário oitenta por cento mais grave para ele próprio ficar mais satisfeito com o que viu. Daí o português dizer que podia ter sido pior. Porque na cabeça dele há algo a pedir para ter sido pior.
Qualquer português que se preze vê muito além do que aconteceu. Ele está a descrever um desastre e diz: «Bem, o carro que vinha ali de cima podia ter batido aqui e capotado», porque se não for assim o que é que ele vai contar aos amigos? Todo o português gosta de contar um desastre que tenha visto. Qualquer um de nós que ande na estrada e veja qualquer coisa, mal chega ao pé de alguém o que é que diz? «Bem, vi cá um desastre!»
Só que ninguém gosta de contar que foi só um carro que derrapou e bateu no rail.
Podemos ter visto apenas um carro a bater noutro, somente com um guarda-lamas amolgado, mas como isso não é interessante, há no nosso povo esta tendência para dizer como a coisa podia ter sido. «Bem, vi um desastre hoje! Se os gajos vêm mais lançados, aquilo tinha sido muito pior!»
Reparem que ele não chega a dizer o que viu, passou directamente para a parte do que podia ter sido.
Por isso é que eu digo que somos o povo mais optimista do mundo. É que isto está mau, mas para o tuga podia estar pior.
O leitor que tem mais tempo do que eu poderá pesquisar aí nessa coisa chamada Google o que significa a expressão: «Bala perdida»?
Ontem – que para si e para mim são tempos diferentes – estava a ler no jornal uma notícia que dizia: «Na Damaia, um indivíduo foi atingido por uma bala perdida!»
A pergunta parece simples de sintaxe, mas é complexa no ponto de vista da explicação prática. Há um sujeito que é a bala, mas, e o predicado, poder-se-á dizer que está implícito?
Voltemos à questão, o que é uma bala perdida? É uma bala que fugiu da arma e não encontrou o caminho de volta?
É uma bala que saiu da arma, virou à esquerda, depois à direita e perdeu-se?
É impressão minha ou as balas quando saem da arma vão sempre em frente? Como é que é possível alguma perder-se?! É sempre em frente, não tem nada que enganar! Qual é a complicação?
Não me parece que as balas andem com mapas para não se perderem!
E quando a bala se perde, andam os polícias agachados a chamar por ela? «Balita! Balita! Bsssss! Bsssss! Vem balita! Anda! Balita! Bsssss! Bsssss!», ou colocam um anúncio no jornal?
«Perdeu-se hoje uma bala nas proximidades da Cova da Moura, no momento do desaparecimento a bala encontrava-se junto a outras cinco, mas saiu disparada a correr sem levar um mapa do local. A bala é pequena, tem 9 mm e forma pontiaguda, pede-se a quem a veja que se desvie. Se não o conseguir fazer a tempo, atire-se para o chão e chame uma ambulância, se ainda se sentir com vida.»
Desculpem-me tantas dúvidas, mas já que estamos a falar disto, pesquisem também por favor o seguinte: Quando o polícia encontra a bala perdida ralha com ela? Passa-lhe ao menos um raspanete?
Está o desgraçado que levou com a bala perdida estendido no meio do chão e o polícia a ralhar com a bala: «Ai tu estás aqui!? Eu não te tinha dito para não te afastares muito? Ai ai ai a menina! Hum!»
Agora temos de atentar para a forma como os jornalistas empolam a notícia de que vos falo. Qualquer bala disparada na Damaia, não se pode dizer que seja uma bala perdida, pois não?
Não sei qual é a posição do leitor em relação a esta matéria que vou dissertar agora, mas há uma expressão que me tem incomodado e preocupado ao ponto até de não conseguir ver as horas às terças-feiras. «Preto no branco.»
«Preto no branco» é a expressão mais sadomasoquista que já ouvi. É mais sadomasoquista do que a própria palavra sadomasoquista. O que não é normal acontecer.
Acho que as pessoas ainda não deram conta do que envolve dizer-se uma coisa destas. Preto no branco implica para já um africano e um caucasiano. Porque não se pode dizer preto no branco se estivermos a falar de chineses. Aí será amarelo no amarelo!
Pior de tudo é que as pessoas ainda não deram conta de que dizendo preto no branco estão a insinuar que o branco é o passivo.
Esta expressão levanta mesmo sérias dúvidas sobre a virilidade do branco. Digo isto sem o conhecer, obviamente, mas não ponho as minhas mãos no fogo por indivíduos que digam que querem as coisas preto no branco.
Não sou homofóbico e nada tenho com a vida de cada um, mas acho que o branco sai claramente prejudicado nisto. A não ser que goste. Aí retiro tudo o que disse, fecho a loja para balanço e estes senhores que gostam de dizer esta expressão peçam, pois, preto no branco as vezes que quiserem.
E o risco que isto acarreta? Sei de uma pessoa que estava num restaurante e quando veio a conta disse: «Quero isto preto no branco!»
O restaurante era africano, nem preciso dizer o que lhe aconteceu!
Vieram os empregados de mesa e foi preto no branco. Vieram os cozinheiros e foi preto no branco! Vieram os porteiros e foi preto no branco! Até clientes que nada tinham a ver com a coisa, mas aproveitaram a leva.
O maior problema no meio de tudo ainda são as consequências! Porque ao dizer-se preto no branco o que é que pode acontecer? Filhos mulatos! No mínimo.
Porque é que nunca dizem ao contrário: «Branco no preto»?
A ideia não é rimar, mas como acha o leitor que o Michael perdeu a cor?
Aquilo foi muito, mas muito tempo de branco no preto! Branco no preto! Até desbotar!
Aproveito que está nesta página para lhe perguntar, quando se paga com cartão multibanco, quantas pessoas ainda não sabem que se deve marcar verde-código-verde? Não vos dá vontade de bater no empregado?
Levem a mal se quiserem, mas eu já estou um nadinha farto de ouvir esta lengalenga e duvido que alguém neste país ainda não o saiba. A esses, é pegar no cartão e parti-lo aos bocadinhos porque quem não sabe isso também não merece tê-lo.
Imagino que para eles insistirem tanto nisto ainda haverá neste mundo gente a dizer: «Verde-código-verde? Ai é? Então mas não é verde-código-sete? Pensava que sim!»
Já que roçamos a zona da linguística, volto a perguntar à ganância: que raça de cães é o Lavrador?
Uma senhora na minha rua passeia um cão e sempre que lhe pergunto a raça, ela diz: «Lavrador.» A minha dúvida é se ele lavra.
Como eu só conhecia o Labrador, fico espantado ao mesmo tempo que enxergo a razão de a agricultura portuguesa estar como está. Entregam os cultivos aos canídeos e depois admiram-se.
Tenho mais uma dúvida que não me deixa dormir. Com que finalidade é que se vestem os mortos com um fato? Por acaso vão a alguma entrevista de emprego quando chegarem ao outro mundo?
A família deve pensar: «Já que ele se vai encontrar com São Pedro, convém ir com bom aspecto!»
Pode ter sido um bêbado sujo a vida toda, vai para o céu, vai de fatinho!
Estão à espera que São Pedro olhe para ele e pense que ele era ministro.
Sei de uma senhora que vestiu o marido com o fato de casamento. Ou seja, o homem enterrou-se duas vezes com o mesmo fato.
Sabem que quando alguém se casa diz-se que se enterrou e não é por acaso. É que há muitas parecenças entre um funeral e um casamento.
Há um padre. Há flores, estão lá os amigos e a família e o principal visado vai de fato!
E como se não bastasse, o interior dos caixões é igual ao tule dos vestidos de noiva!
Uma vez deitei-me num para uma gravação. E aquilo é como deitarmo-nos em cima de um vestido. Eu até disse: «Tragam lá a noiva e fechem a tampa.»
Mas até é confortável, digo mais. O ideal para quem sofra das costas. Se sofre das costas, não se importe, quando tiver de passar uns anos num caixão, isso passa-lhe. Pelo sim, pelo não, peça um ortopédico.
Eu tenho pena daquelas pessoas a quem vestem um fato que esteve 20 anos guardado no armário. E pena porquê? Porque chegam ao céu a cheirar a naftalina! Mesmo que não tivessem mortos, morriam com o cheiro!
Se eu adoecesse amanhã, a primeira coisa que fazia era mandar arejar os fatos!
Ou isso, ou ia nu!
No fundo era o que eu queria! Para quê roupa? Não dizem que no Paraíso estão uma data de virgens à espera? Então! Se um indivíduo for nu, só poupa é tempo. Já vai pronto!
Leva-me a crer que com tanta gente de fato o outro mundo deve parecer uma enorme instituição bancária.
Já reparou o leitor na ironia? Uma pessoa trabalha num banco ou é político. Passa a vida toda de fato e quando morre ainda lhe põem a mesma roupa e uma gravata. Uma pessoa chega ao lado de lá e pensa que está no emprego. Provavelmente chega ao outro lado, levanta-se e vai picar o ponto.
Será que no Afeganistão enterram as mulheres com a burca também? É que isso é capaz de gerar confusões quando chegam ao céu. São Pedro deve perguntar: «Quem vem lá?»
Esta coisa do fato é mais estranha ainda quando as pessoas vão a cremar. Para quê estragar a fatiota? A única vantagem que vejo no fato é servir para atear o fogo.
Deviam era levar um fato de amianto, porque assim sempre se poupava na roupa, era só sacudir a cinza e servia para outro morto.
Seja como for, de qualquer destas soluções é melhor o fato do que ir enrolado naquele tecido como as múmias no tempo dos faraós. Parecia que a pessoa tinha morrido enrolada em papel higiénico.
E essa é mais uma das minhas dúvidas. Se no Egipto usavam o papel higiénico para embrulhar os mortos, com que se limpavam? Com os fatos?
Perguntem aí na vossa rua e depois digam-me coisas. O Dom Duarte manda ou não fazer os filhos fora?
Porquê a pergunta? Em primeiro lugar porque o Dom Duarte não tem ar de quem faz filhos. Não tem. Tem ar de agricultor, tem ar de homem do campo, mas não tem ar nem de rei, nem de quem sabe fazer filhos. Se levarmos em conta que todos os filhos do senhor são loiros, de olhos azuis, então deixam de restar dúvidas. Das duas, uma, ou a revista Caras dá uns retoques no Photoshop para aquela família parecer adoptada na Suécia, ou então o único que não pertence ali é precisamente o Dom Duarte.