Título original: O Meu Poeta
Autor: Germano Almeida
Capa e orientação Gráfica:Secção Gráfica da Editorial Caminho
ISBN: 9789722121736
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Diz algures um dos personagens deste livro que «.., o que seria desejável era fazer as coisas mais sérias do mundo como se fosse de brincadeira».
E é assim, rindo das coisas, que o autor escreve um livro sério sobre a vida social, política e cultural do pós-independência numa busca da identidade do homem cabo-verdiano, renegando a imagem quase mítica que se tem generalizado. E por isso, no lugar dum sobre-homem cabo-verdiano capaz de dar um golpe de Estado no paraíso, conforme a bela alegoria de um poeta que não O Meu Poeta, ele prefere retratar o ser humano inteiro, sensível, interessado, interesseiro, idealista, oportunista, tanto capaz de por amor se superar como de se aviltrar. Encontramos assim todo um painel de tipos da burguesia mindelense, tão reais que nos apaixonam. Tão reais que nos chocam pela crueza da sua linguagem e das suas acções. Tão reais que conseguem manter até ao final do livro toda a opacidade e mistério que o «outro» tem sempre para nós. Tão reais, enfim, que tentar encontrar as pessoas que estão na origem dos diversos personagens é um jogo a cuja tentação não conseguimos escapar. E talvez por isso mesmo, avisa o autor que os personagens do livro são uma pura abstracção, composta a partir de uma realidade que são os habitantes da cidade.
É esta uma obra que perturba pela profundidade com que mergulha na natureza humana. Poderá até escandalizar pelo que revela dos pensamentos e desejos inconfessáveis do homem, pelo relato da face habitualmente oculta da cidade e até, ou por isso mesmo, pelo distanciamento em relação à tradição literária cabo-verdiana. Salvar-se-á no entanto de ser considerado «um livro imoral» pela denúncia que é da superficialidade, do oportunismo ou da ignorância, mesmo que se defenda que o verdadeiro julgamento só é possível pela consciência individual.
Sem dúvida fascinante é a capacidade de o autor inventar o prosaico, relatar o acontecido, misturar a ficção com a realidade e até de fazer a ficção gerar mais ficção, num jogo quase até o infinito. Partindo de uma leviana luta pela reabertura do Retiro Fechado, um bar elevado à categoria de instituição municipal, o livro conta a carreira política de um típico parasita de revoluções que, pela força das circunstâncias e da mulher, acaba por se transformar em herói. E é aliás curioso o papel que as mulheres desempenham neste livro. Remetidas à área doméstica como se a vida pública fosse ainda um espaço inteiramente masculino, sem nunca se relacionarem entre si, são elas contudo, através da relação amorosa, o detonador de toda a acção e a via de acesso ao conhecimento possível de todos os outros personagens. Primeiro é a ex-revolucionária e actual editora que, embora não correspondendo à paixão do narrador, o convence a escrever o perfil do Poeta; depois é Isba, mulher do Poeta, que não só lhe constrói a carreira como o força a agir nos momentos decisivos. E por último são as mulheres do Vasco, reais ou imaginárias, que ao tornarem-no consciente das suas contradições e incapacidade de resolvê-las o levam ao suicídio; ou a mulher-obsessão do Jesus, capaz de o conduzir a acções criminosas; ou ainda as mulheres clandestinas do advogado que revelam e acentuam a sua personalidade transigente e por fim acomodada.
E finalmente, julgo importante referir que este livre começou a ser escrito em 1984, tendo alguns extractos sido publicados nos números 9 e 10/11 da revista Ponto & Vírgula. Essa circunstância poderia fazê-lo aparecer agora como um livro datado, se a sua temporalidade não estivesse dispersa por todo o período que vai da Independência ao presente.
Mindelo, Maio de 1990.
Ana Cordeiro