À Alexandra, à Joana e ao Tomás
Ficha Técnica
Título: O Homem Sonae: A gestão segundo Belmiro de Azevedo
Autor: Filipe S. Fernandes
Capa: Margarida Rolo / Academia do Livro
Imagem de capa: Frederico martins / Exame (fornecida por Gesco)
Revisão: Manuel Henrique Figueira
ISBN: 9789895556175
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À Alexandra, à Joana e ao Tomás
Nota do autor
Este livro nasce de uma «conversa» com os textos escritos e as entrevistas concedidas por Belmiro de Azevedo ao longo dos anos.
Nota-se que gosta de estudar e de pensar sobre os assuntos, sobre as decisões, e de expor as suas ideias. Aliás, como confessou certa vez, tem uma particularidade: gosta de escrever. «Escrevia muito bem na primária, mas desaprendi o português, porque nos negócios a velocidade a que se fazem só permite fazer estenografia, e depois porque seria fundamental um distanciamento para revelar a minha pessoa». Mas a sua escrita, ou a sua voz escrita, mais do que revelar a pessoa, salienta o gestor e empresário. Dos seus discursos, mais elaborados ou mais espontâneos, ressalta sempre o seu lado de investigador e estudioso, além da sua longa experiência na gestão.
Dada a complexidade e as várias facetas de Belmiro de Azevedo, optou-se por dividir este livro em duas partes: a primeira, em que é feita uma análise do seu estilo de gestão; a segunda, em que se entra num maior detalhe biográfico, destacando os principais episódios de uma vida intensa de projectos marcantes.
1.ª parte
A Gestão de Belmiro de Azevedo
Capítulo I
O gestor e empresário
«… assumi como estilo de vida pessoal e atitude empresarial do grupo que dirijo: be prepared, ou seja, prepare-se para decidir com pouca informação, com pouco tempo. Por mera coincidência, o acrónimo SONAE tem, em japonês, exactamente tal significado.»
Belmiro de Azevedo é, provavelmente, o único empresário e gestor português que tem um discurso sobre a gestão e a empresa. As suas reflexões não fazem dele um teórico, mas transmitem a riqueza de uma reflexão prática de gestor e de empresário, em que há erros e acertos, vitórias e derrotas. Mas estes são apenas episódios que articulam uma história, porque mais importantes são as ideias, os conceitos e as visões que sustentam, como o próprio costuma dizer, um track record feito da perspectiva de longo prazo, flexibilidade e empreendedorismo.
Belmiro de Azevedo chegou a empresário pelo caminho da gestão, processo muito diferente daquele que caracteriza a maior parte do universo empresarial nacional; por isso define-se como «um empresário em consequência da gestão e, portanto, (…) [com um] percurso (…) diferente da tradição que existia no país e não apenas no norte. Eu não herdei nada e foi por acidente e pela minha capacidade de gerir que me tornei accionista».
A sua prática de gestão articula-se, se a quisermos sistematizar, em três grandes tópicos: as pessoas, a estratégia e as crises de gestão. É, curiosamente, a síntese que Bennis e Tichy fazem, referindo que as decisões vitais numa empresa giram em torno destes tópicos: pessoas (despedimentos, recrutamentos, promoções), estratégia (novos produtos, fusões, vendas), crises de gestão (questões éticas, negócios em queda ou falência).1 A isto associa-se, diz Belmiro, a ideia de uma sociedade «mais moderna, desenvolvida, competente, transparente e justa».
Belmiro de Azevedo é mais temido que amado pelos seus pares – até porque não esconde, nem as preferências, nem as antipatias – e é adulado, endeusado e emulado pelos quadros médios e superiores do grupo, por cujas carreiras tem uma grande preocupação, sempre em nome da eficácia e do seu sonho: construir uma organização empresarial capaz de ultrapassar três gerações.
A Sonae é uma aposta de Belmiro de Azevedo para a posteridade e, na sua concepção, essa permanência no tempo constrói-se com base em valores simples: «na prática há apenas umas poucas dezenas de empresas com mais de 50 anos de história e a minha grande aposta é criar uma empresa que dure muito mais do que três gerações, isso consegue-se com um conjunto de valores simples. (…) Esses mandamentos são valores para mim essenciais. Ser-se frugal, rigoroso, resistente, ambicioso, trabalhador… Não esbanjar, ter uma relação de transparência correcta, não ser subserviente nem arrogante. São valores, não dogmas, que norteiam a Sonae».
A genealogia e análise histórica do Grupo Sonae permitem ver a gestão em acção – «ao vivo», quase se diria – na sua multiplicidade de disciplina e incidências. A prova da sua qualidade está no facto de, por exemplo, na introdução ao tema de Corporate Strategy: M&As, Alliances & Multi-business Management, de Laurence Capron e Carole Guillard, no EMBA de 2004, no INSEAD, a Sonae ser citada ao lado da General Electric, Newell-Rubbermaid, Cooper, AOL-Time Warner, PPR, Fininvest, Royal Dutch Ahold, Tata e Samsung como exemplo de multinegócios atractivos para os investidores e que oferecem oportunidades únicas de carreira.
Nos seus textos e entrevistas, Belmiro de Azevedo vai traçando a configuração do seu papel de gestor e empresário. Em 1991, via-se cada vez mais como «o chefe de orquestra», que «deve estar bem informada sobre tudo o que se passa no mundo, assim como deve fazer uma autoformação permanente e procurar ser cada vez mais culta. Mais tarde, via a sua missão como um gestor de riqueza: «tenho a obrigação de a criar e para o fazer preciso de meios e os meios tanto podem ser próprios como pertença de uma instituição bancária».
Anos depois, confessou como mudou a sua forma de estar na Sonae, referindo que alterou substancialmente o que fazia. «Gasto cinco vezes mais tempo a falar com os quadros do grupo. (…) Deixei espaço livre e falo daquilo que gosto mais, o que me dá liberdade e tempo para (…) fazer [as coisas] bem. Tenho a organização do grupo, um processo que tem de ser dinâmico por não parar de se modernizar (…). Além disso, tenho a responsabilidade da arquitectura financeira do grupo. São tarefas onde estou, não direi com posicionamento académico, mas afastado da gestão prática dos negócios. Faço também autênticos “mergulhos” na vida real e vou ao detalhe, por exemplo, de estudar a lavandaria do Sheraton, de ver um supermercado, uma unidade industrial ou uma charcutaria. Dedico a isso dez ou quinze dias por ano. Não se dão contributos na orientação estratégica do negócio sem conhecer o detalhe. Às vezes, os grandes problemas resolvem-se com os métodos aplicáveis aos pequenos problemas – bom-senso e conhecimento das pessoas. E com quanto mais gente se falar melhor. Por outro lado, o “período sabático” fez-me ver as coisas com mais afastamento do concreto e mais visão estratégica».
Gosta de dizer que não deve, nem pede, favores a ninguém, e explica que a sua independência é a prova da sua força: «independente em sentido absoluto: não dependo financeiramente de ninguém, não dependo politicamente de ninguém. Felizmente para mim, foi possível desenvolver este conceito de independência em valor absoluto». No entanto, esta sua irreverência e rispidez levam a que, em algumas circunstâncias, seja visto de uma forma negativa: «fez justiça à fama de intempestivo e falastrão que desfruta», escreveu-se numa revista brasileira, depois de um discurso mais corrosivo de Belmiro de Azevedo sobre a situação no Brasil.
Belmiro de Azevedo invoca o sucesso como uma etapa final, sempre provisória. O poeta espanhol António Machado afirmava: «caminante, no hay camino, se hace camino al andar»; o empresário da Sonae diz o mesmo, de outro modo: «na vida real não há um sucesso completo que se consegue no dia tal. Os sucessos são construídos ao longo dos dias, ao longo dos meses, são o somatório das pequenas coisas bem-feitas que vamos fazendo todos os dias.»
As ideias de gestão
A sua primeira ideia fundamental, enquanto empresário e gestor, é a aposta na gestão profissional.
Numa entrevista ao El País, a propósito da OPA da SonaeCom à Portugal Telecom, referiu o segredo do sucesso da Sonae: «gestão profissional muito atenta e uma relação impecável com a banca. Esta é a chave sobre a qual se construiu um grupo industrial como o nosso, que hoje é o maior de Portugal». Esta é uma das suas regras na gestão de uma empresa, que repetidamente recomenda: «uma mistura correcta entre estabilidade accionista e grande profissionalismo na gestão, com grande crítica mútua e supervisão de alto valor».
E, em 2000, num discurso em Tróia dirigido aos directores da Sonae Indústria, explicita a fórmula Sonae: «Se possuímos os recursos financeiros adequados, estabilidade accionista, uma gestão profissional e bons níveis de formação integrados na nossa cultura e princípios, então estão reunidos os ingredientes fundamentais para trabalharmos em conjunto, como uma equipa, e alcançarmos o sucesso no longo prazo.»
A segunda ideia forte de gestão de Belmiro de Azevedo é o culto do conhecimento e, ao mesmo tempo, a defesa do bom-senso como ingrediente fundamental da gestão. Trata-se do «bom-senso formado e informado», e que se traduz numa espécie de fórmula: «a gestão é uma arte simples que se reduz em bom-senso + boa formação + informação. Sobretudo o que conta é o bom-senso».
Como escreveu num texto denominado O Chefe, publicado na revista Negócios, em 1985, estas conexões são fundamentais para uma boa tomada de decisão, o que faz a diferença no mundo da gestão: «o saber ouvir tem de ser complementado pelo saber informar-se. De facto, para o processo de formação da decisão é fundamental “ouvir” interlocutores distantes – a opinião de compradores a dezenas de milhares de quilómetros de distância, as novas conquistas da ciência, a evolução do mercado de câmbios, as decisões de políticos de pequenos e grandes países. A capacidade de ler, de conversar em vários idiomas, de conhecer os meios de comunicação, e mesmo de manejar terminais de informação. Sem que tal capacidade exista, o processo de formação da decisão poderá ter graves lacunas, que serão eventualmente fatais no processo de implementação da decisão, conduzindo mesmo ao colapso de projectos ou organizações. E cheguei agora à questão do bom-senso. Bom-senso formado e informado foi provavelmente o “instrumento” que mais utilizei nos meus 20 anos de gestor. A capacidade de fazer as coisas de forma simples e evidente, não é, ao contrário do que se pensa, uma característica da maioria dos gestores empresariais e muito menos dos gestores políticos. É preciso saber fazer as pequenas coisas com o mesmo estudo e dedicação com que se fariam as grandes coisas, para que, quando chegar a altura das grandes decisões as poder tomar como se pequenas fossem».
O terceiro pilar do seu entendimento sobre a gestão, e que Belmiro de Azevedo tantas vezes invoca, é a heterodoxia: «sou heterodoxo e o grupo é motivado nesse sentido. Com ortodoxias não se vai a lado nenhum, apenas se faz mais do mesmo».
Finalmente, as constantes reestruturações da Sonae também têm a ver com o seu gosto em «manter a organização em tensão» e, por isso, cunhou o seu próprio conceito de PREC2: «processo de reestruturação sempre em curso».
Belmiro de Azevedo é talhado por um misto de trotskista, nos pressupostos de revolução permanente, e de empreendedor «schumpeteriano», com a destruição criativa do capitalismo, como se a mudança fosse a sua única certeza: «costumo dizer – e acredito nisso – que só funciono bem no caos organizado. É preciso saber gerir o caos. Uma empresa, para ter criatividade e competitividade interna, tem de, permanentemente, ser capaz de gerir num certo ambiente de desordem. O que significa mudanças permanentes. A nossa maneira de estar, a nossa estabilidade, é sermos instáveis. (...) É esta a filosofia. (...) Mudar não só dentro do negócio em Portugal, como também mudar de país, mudar de negócio».
Há também uma ideia estratégica que fez parte de muitas estratégias e decisões de gestão – que foi a da «Europa»; como consequência, a globalização que as frequentes idas a Davos solidificaram fortemente. A Europa começou cedo a fazer parte do seu discurso e, em 1987, escrevia o seguinte: «a dimensão do Grupo, os seus resultados, a qualidade dos seus gestores, a transparência das suas contas, a confiança dos investidores e a nossa ambição de crescer com segurança são os parâmetros que hão-de balizar a nossa posição em praças financeiras da Europa, Europa onde entrámos há pouco mas onde queremos ser não só um agente económico importante, mas também um agente activo nos mercados financeiros e de capitais».
Há, pois, eixos consistentes na sua acção de gestão. Refere na Carta do Presidente, de 1 de Março de 2004: «foi visível a nossa determinação em manter uma visão estratégica ambiciosa, com objectivos bem definidos, e sustentada em valores de integridade, transparência e assunção de risco empresarial num mundo cada vez mais global e competitivo. Mantivemos, assim, uma grande atenção ao desenvolvimento do Capital Humano, cada vez mais alavancado em Capital Tecnológico e ancorado numa organização cada vez mais eficiente – Capital Organizativo»3.
Esta configuração de ideias fortes da sua gestão podem ser redutoras, porque o seu pensamento sobre a gestão é, quase se poderia dizer, baseado no paradigma da complexidade: a sua única certeza é a incerteza do mundo. A estruturação do pensamento de gestão de Belmiro de Azevedo aconteceu com o seu curso em Harvard, em 1973. Numa fotografia em que está num momento de lazer com os seus condiscípulos, um deles exibe o livro de Alvin Tofler, Future Shock (Choque do Futuro), que Belmiro leu avidamente.
Em relação às constantes teorias sobre a arte da gestão, tem uma disposição de total abertura: «há sempre qualquer coisa de útil ligado a um novo paradigma de gestão, sem prejuízo de acreditar que a validade e a utilidade de tais paradigmas têm ciclos cada vez mais curtos, sendo, portanto, cada vez mais “moda” e menos “dogma”. Tal como a moda feminina e a masculina animam a vida social, as várias modas de gestão animam a vida das sociedades».
Por outro lado, «aquilo a que se chama excesso de buzzwords tem, pelo menos, um mérito – provocar os gestores, obrigando-os a ser mais analíticos, menos conservadores, mais disponíveis para gerir através de projectos de mudança e menos através de comandos funcionais hierárquicos». Garante que leu sobre todas as modas de gestão, que não seguiu nenhuma mas que aprendeu com todas elas. Como escreveu na Executive Digest, «o mundo actual exige uma predisposição permanente para a “coisa nova” – seja produto, serviço ou ways of life. As próprias religiões são cada vez menos dogmáticas, para não falar nos partidos que são cada vez menos ideológicos!».
Porém, as suas reflexões empresariais não se cingem aos problemas das empresas e aos temas de gestão empresarial, mas procuram uma articulação com outros subsistemas do Mundo e da vida. Em 1992, num colóquio em Lisboa, alertava para o processo de desintermediação que se estaria a processar nos vários domínios, desde o financeiro até ao sindical e ao político.
O risco e a aventura
No seu pensamento e acção como empresário o risco está sempre presente, tendo mesmo desenvolvido algumas teses sobre o risco, com quem, como diz, tem «uma relação íntima: convivemos muito de perto há algumas décadas. E confesso que me tenho dado bem». Acrescenta: «como empresário e como gestor tenho desenvolvido no meu grupo uma cultura de “risk taking”, ou se preferirem de “risk appetite”, que nos tem aberto grandes oportunidades de negócio, levando-nos à liderança do mercado português em diversos sectores. E como é nosso princípio actuar em ambientes globais altamente competitivos, ambicionamos sempre fortes crescimentos».
No mesmo texto, Belmiro de Azevedo recusa confundir o risco com aventura e propugna pelo tempero adequado nas organizações, de modo a que essas tenham o que chama de «risk awareness», o fascínio do risco não deve ser um passo para o aventureirismo. Como escreveu, «queremos e gostamos de correr riscos, mas apenas os necessários para continuarmos a desenvolver e fazer crescer o nosso negócio, garantindo a criação de valor para o accionista e para a sociedade de uma forma sustentada. Não seria uma boa estratégia ou acto de gestão expor a organização a riscos que podem facilmente ser evitados ou colocar a organização em situação de ruptura. Para podermos assumir riscos temos que ter uma boa consciência dos mesmos, uma cultura de «risk awareness», que atravesse toda a organização. Em todos os níveis hierárquicos de decisão devemos ter a consciência que é necessário ousar mas não abusar, e que todos os decisores são participantes activos, mesmo para justificadamente discordar. Criar valor implica assumir riscos; conhecê-los e geri-los dá-nos a força necessária para a fabulosa “aventura” que é a de criar riqueza e emprego».
Por isso, Belmiro de Azevedo vê-se muitas vezes mais como um empreendedor. Como escreveu, «não confundamos Empresário com Empreendedor. Não são conceitos redundantes, nem variantes de semântica. São, isso sim, personagens perfeitamente distintas. Se como Empresário identificamos o proprietário ou o accionista de controlo de empresas, esse estatuto pode nada ter que ver com o que eu considero ser o conceito de Empreendedor. Porque só é Empreendedor aquele que é capaz de conceber, de pôr em prática, e de instilar nos que o acompanham, uma atitude de desafio permanente, de vontade de superação da indiferença. E, se assim é, o empreendedor pode, também trabalhar por conta de outrem, maxime por conta do dito Empresário. Podemos, portanto, deparar com Empresários pouco Empreendedores. Com Empreendedores que não são Empresários. E mesmo com funcionários públicos com vocação empreendedora!».
Belmiro de Azevedo e Jack Welch
O grande alter-ego de Belmiro de Azevedo é Jack Welch, o mítico CEO da GE entre 1984 e 2001. Como escreveu no prefácio do livro de Jack Welch, Vencer, Belmiro de Azevedo acompanha a carreira deste gestor norte-americano desde 1973, quando esteve em Harvard: «no Outono de 1973 frequentava um curso de pós-graduação na Universidade de Harvard e os case studies sobre os conglomerados (incluindo a GE) eram quase diariamente uma matéria obrigatória». Dez anos depois, por ocasião da décima reunião dos seus colegas de curso, voltou a ver Jack Welch, nomeado CEO da GE em 1981, que foi um dos keynote speaker da sessão.
Foi nesse ano que assistiu a uma sessão de estratégia em que o caso da GE foi de novo actualizado por Welch, para aprofundar a metodologia seguida por Reg Jones para seleccionar o seu sucessor. Sobre este tema, Belmiro escreveu: «nunca mais me esqueci da famosa aeroplane conversation – duas conversas com os potenciais candidatos à sucessão, em duas viagens de avião – onde Reg Jones fazia duas perguntas diferentes sobre critérios de sucessão, sobretudo em condições de emergência».
Belmiro de Azevedo sempre acompanhou a carreira de Jack Welch e, como escreveu no prefácio da edição portuguesa do livro Vencer, «com a devida consideração pela dimensão das economias, da empresa e do sucesso em matéria de liderança, e sem quaisquer pretensões de comparação e muito menos de conclusões, dei-me conta do paralelismo que existe nas nossas carreiras pessoais e na gestão dos grupos que lideramos».
Jack Welch é três anos mais velho do que Belmiro de Azevedo, os dois são engenheiros químicos, estiveram ligados à produção, fizeram quase sempre a carreira na mesma empresa – Jack Welch na GE, de 1960 e até hoje, sendo administrador não executivo – e Belmiro de Azevedo na Sonae, desde 1965, depois de dois anos na Efanor que decidiu abandonar porque, no (…) [seu] entendimento, não tinha estratégia de crescimento e sobretudo era notória uma clara pobreza a nível de conceitos de liderança». Como escreveu Belmiro de Azevedo, ambos tiveram «percursos paralelos de gestores com formação básica nas áreas tecnológicas e pós-graduação em Management, (…) ambos com estratégias de longo prazo e carreiras em “ziguezague”, com responsabilidades crescentes do ponto de vista profissional». Também na gestão das empresas o empresário da Sonae encontra similitudes: «relativamente à gestão dos grupos que lideramos, a GE era (e é) o conglomerado menos burocrático e mais agressivo do panorama americano e mesmo global. A empresa que dirijo não gosta de ser “catalogada” de conglomerado, uma vez que é um conjunto de negócios apoiado num grupo accionista maioritário de referência e tem uma perspectiva de longo prazo, e de criação de valor para gerações futuras (accionistas e trabalhadores)».
No posfácio à sua biografia, escrita por Magalhães Pinto, escreveu: «sem ter sido escravo, fui sempre obedecendo à lei natural, passando do estar para o ser, da informação para o conhecimento, do conhecimento para a inovação, da inovação para a acção, da acção para o fazer e para o fazer fazer».
1 Bennis, Warren G. e Tichy, Noel M., Judgment How Winning Leaders Make Great Calls, New York, Portfolio, 2007.
2 Depois do 25 de Abril de 1974 e com a aceleração revolucionária passou a usar-se o acrónimo PREC para referir Processo Revolucionário Em Curso.
3 Refere-se ao ano económico de 2003
10 Mandamentos do Empresário
1. Estratégia (permanente evolução);
2. Organização (fim das hierarquias rígidas e lugar à inovação);
3. Sistemas (de rígidos para flexíveis);
4. Staff (abandonar a ideia de puxar pelos galões);
5. Estilo (passar de «bombeiro» a preventivo, aberto à transformação);
6. Conhecimentos (enriquecimento permanente de conhecimentos);
7. Valores Partilhados (cruzar experiências);
8. Focagem (atitude mais individualista em lugar da exagerada organização central sobre o indivíduo);
9. Fontes do Poder (capacidade de mudança);
10. Liderança (abandonar o posicionamento dogmático de comando para uma formação de equipas solidárias e autoconfiantes, capazes de resolver problemas).
In Discurso na Homenagem ao Empresário,
20 de Outubro de 1992.
O Grupo Sonae: um pouco de história
• Anos 60
Negócio único.
Primeira fábrica de produção de laminados; diversificação de produtos como a aglomerite e fabricação de componentes para móveis.
• Anos 70
Desenvolvimento no mesmo sector e integração vertical.
Diversificação horizontal com a produção de resinas (química industrial) e três linhas de produção de aglomerite. Exportações para 50 países nos cinco continentes.
• Anos 80
Diversificação através da aquisição e da criação de novos negócios.
Aquisição da Agloma e da Somit: líder nacional nos aglomerados de madeira e da Spanboard (Irlanda). Abertura do primeiro hipermercado e primeira aquisição no Brasil (Companhia Real de Distribuição). Lançamento do CascaiShopping, o primeiro centro comercial.
• Anos 90
Desenvolvimento selectivo dos negócios estratégicos e controlo financeiro dos negócios não estratégicos.
Aquisição da Tafisa, que era líder ibérica e quarta empresa na Europa. Decisão estratégica de globalização nos negócios da madeira com a aquisição da Glunz (líder mundial). 50 por cento da CRD com o controlo da gestão e decisão estratégica de crescimento no Brasil, seguindo-se a aquisição da Cândia e Mercadorama (quarto operador no Brasil e primeiro nos estados do Sul). Lançamento de novos formatos de distribuição não alimentar. Abertura do Colombo em Lisboa. Lançamento da Optimus, Novis e Clix nas telecomunicações.
• Século XXI, anos 10
Crescimento internacional. Diminuição do portefólio dos negócios.
Venda das operações de retalho no Brasil, aquisição das lojas Carrefour em Portugal. Falha a OPA sobre a Portugal Telecom. Reforça a internacionalização da Sonae Indústria e da Sonae Imobiliária. Faz o spin-off da Sonae Indústria e da Sonae Capital que reestrutura o seu portefólio de negócios.