Edição e-book: Pilar M. Jiménez Castro
Tradução: Iren Fait
Revisão da tradução, edição e correção: Julia Calzadilla
Projeto gráfico interior: Yadyra Rodríguez Gómez
Desgin de capa: Maikel Martínez Pupo
sobre ideia original de Lilia Díaz González
Diagramação e conversão: Alfredo Martínez González
ISBN: 978-9962- 703-20-4
© Katiuska Blanco, 2012
© Sobre esta edição: Ruth Casa Editorial 2015
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RUTH CASA EDITORIAL
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INTRODUÇÃO
É um tema sobre o qual prometi escrever. Não era fácil fazê-lo. Outros assuntos tomaram meu tempo. Agora estou cumprindo a promessa.
Foi objetiva e justa a minha análise sobre Marulanda e o Partido Comunista da Colômbia nas “Reflexões” publicadas no último 5 de julho de 2008? Ninguém pode assegurar nunca que seus pontos de vista carecem de subjetivismo; sempre se pode correr o risco de parecer injusto. Quem afirma algo, deve estar disposto a demonstrar o que diz e por que o diz.
Meu desacordo com o conceito de Marulanda se baseia na experiência vivida, não como o teórico e sim como o político, que enfrentou e teve de resolver problemas muito parecidos como cidadão e como guerrilheiro, só que os seus foram mais complicados e difíceis.
Seria incorreta a ideia de que se partia das mesmas circunstâncias na Colômbia e em Cuba. Em comum compartilhávamos a ausência inicial de uma ideologia revolucionária – até porque ninguém nasce com ela – e de um programa para converter em realidade, mais tarde, a construção do socialismo. Não coloco em dúvida nem por um instante sua honradez nem a do Partido Comunista da Colômbia. Pelo contrário, merecem respeito, porque foram revolucionários, lutadores antiimperialistas, que entregaram à causa dezenas de anos de luta. Explicarei:
Quando assassinaram o prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán, em 9 de abril de 1948, Pedro Antonio Marín, camponês pobre que adotou o nome de Manuel Marulanda em homenagem a um colombiano que morreu na guerra de Coreia, se incorporou ao movimento guerrilheiro liberal. Tinha apenas 18 anos.
Os testemunhos sobre sua vida são escassos, mas suficientes para satisfazer a curiosidade de um leitor que queira informação para se aproximar dos fatos referidos. Tratei de esquadrinhar diversas fontes. Quem mais sistematicamente falou no famoso guerrilheiro foi o historiador colombiano Arturo Alape. Pude constatar seu rigor como pesquisador através de minhas relações com ele. Dificilmente teria deixado escapar algum detalhe. Reuniu-se com Marulanda e as forças guerrilheiras em várias ocasiões. Durante meses conviveu com elas para escrutar os motivos e os objetivos de sua luta dura. Posso aquilatar corretamente a informação que fornece.
Contudo, não é a única fonte; estão os depoimentos de Jacobo Arenas, intelectual e dirigente comunista enviado pelo seu Partido para atender ao setor camponês, componente indispensável para a revolução na Colômbia.
O Partido Comunista desse país irmão, como os outros da América Latina, grandes ou pequenos, foram membros disciplinados da Internacional enquanto existiu formalmente. Seguiam a linha do Partido Comunista da URSS. Nos anos da Guerra Fria continuaram sendo reprimidos por suas ideias. Os meios de propaganda imperialistas e oligárquicos atacavam-nos com sanha. O surgimento da Revolução em Cuba, sem nenhum vínculo com a URSS, mas baseada nos ensinamentos do marxismo-leninismo, suscitou sentimentos contraditórios, porém não antagônicos. Em nossa pátria foram superados e a unidade abriu caminho, ainda que não desprovida de contradições, nem sectarismos, entre os militantes e simpatizantes do antigo Partido com educação política avançada, e setores da pequena burguesia radicalizados, porém permeados pelo fantasma do anticomunismo. As vitórias do Exército Rebelde, como se chamavam as forças guerrilheiras primeiramente, foram o fator decisivo na fase ulterior da Revolução. Tal explicação é inevitável para compreender a essência das relações de Cuba com os revolucionários da América Latina.
Nós, os que organizamos o movimento que tentou tomar o poder em 26 de julho de 1953, tínhamos ideia clara de nossos objetivos, e disso há registros. Os combatentes vinham de setores humildes de nosso povo e nenhum objetava os nossos propósitos; o antigo Partido foi nosso amigo, antes daquele intento inclusive. Todos que lutaram contra a tirania verteram suas águas em um só rio.
Da singular experiência vivida na pequena ilha a 90 milhas dos Estados Unidos, com uma base militar imposta em seu próprio território, nasceram os nossos pontos de vista com relação à América Latina. Não tínhamos, contudo, direito de nos intrometer nos assuntos domésticos de qualquer outro país desde que não fosse com o inevitável impacto dos acontecimentos. Infelizmente, foram os governos dos demais países – exceto México, ainda sob a influência de sua revolução social de começo de século e o brilhante papel patriótico e antiimperialista de Lázaro Cárdenas – os que, pressionados pelos Estados Unidos, quebraram normas morais e princípios legais e aderiram à agressão a Cuba. Exploraram a existência de Cuba revolucionária para obter migalhas do imperialismo. Se alguém resistia era derrocado sem pena nem glória.
Os Estados Unidos organizaram bandos armados e grupos terroristas que foram abastecidos por ar e mar e colocaram bombas, atearam fogo a estabelecimentos sociais e econômicos, teatros, creches, fábricas, plantações de cana, armazéns, grandes lojas e outros alvos ceifando vidas ou aleijando cubanos em sua ação traiçoeira. Até professores e jovens alfabetizadores foram torturados e assassinados. Não o afirma apenas quem isto escreve; consta nos documentos liberados pela CIA. Um acontecimento relevante, notório, por todos conhecido: em 15 de abril de 1959, aviões de combate e instalações de nossa Força Aérea foram atacados por aviões que levavam insígnias cubanas. Dois dias depois, forças mercenárias escoltadas pela Armada de guerra ianque – um porta-aviões inclusive – e os fuzileiros navais desembarcaram na Baía dos Porcos. O que fizeram os países da América, exceto México? Apoiaram Estados Unidos em sua guerra genocida contra o povo cubano.
Mais tarde, a CIA lançou vírus e bactérias contra a nossa população e nossas plantações. O que fizeram os governos dos países irmãos?
O governo dos Estados Unidos colocou o mundo à beira da guerra nuclear, porque se negava a renunciar à sua ideia de atacar Cuba diretamente com sua poderosa força militar; o que teria custado um número incalculável de vidas e destruição, porquanto, como se sabe, o povo cubano resistiria até a última gota de sangue.
Ao ser invadida a República Dominicana em abril 1965, os governos da América Latina também apoiaram os agressores.
Não é preciso acrescentar mais nada para compreender que, ao longo de décadas, assim se comportaram as tiranias militares que torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer centenas de milhares de pessoas neste hemisfério em conluio com o império que as promoveu.
Desde muito cedo, em ato de massas, o povo de Cuba enviou sua mensagem, na Primeira e Segunda Declaração de Havana, aos povos irmãos da América Latina. A partir dessa realidade é que se pode explicar o interesse com o qual acompanhávamos o desenrolar dos acontecimentos políticos em qualquer país de Nossa América.
Revi numerosas notas, relatórios e documentos relativos ao tema colombiano, entre eles relatos das conversas sustentadas com personalidades que visitaram Cuba e com as que trocamos ideias extensamente sobre a paz na Colômbia.
Em 1950, quando uma guerrilha comunista entrou em contato com ele, Marulanda, que procedia de um grupo gaitanista1 liberal formado, em parte, por familiares seus, tinha evoluído a posições próximas dos comunistas: criticava os excessivos atos de formalismo militar destes últimos, bem como determinadas tendências sectárias em suas concepções.
A nossa ideia da guerrilha como embrião em desenvolvimento de uma força capaz de tomar o poder não partia só da experiência cubana, mas também de outros países na América Latina. Em qualquer um deles presumia a luta pelos pobres independentemente de seus níveis educacionais que, em todas as partes, como classes exploradas, – operários ou camponeses, ou jornaleiros modestos e soldados inclusive –, eram muito baixos.
Na América Central, uma região que foi vítima de intervenções de piratas ou soldados dos Estados Unidos em diferentes épocas, quase todos os países eram governados por ditaduras sangrentas ao triunfar a Revolução Cubana. Sem exceção, eram cúmplices e instrumentos do imperialismo contra Cuba.
Os grupos revolucionários, em sua luta estavam divididos na Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Mais cedo ou mais tarde os militantes comunistas aderiram à luta armada dos camponeses e a pequena burguesia revolucionária. Em todos, com suas peculiares e inevitáveis características sempre presentes, surgiram tendências aferradas ao conceito de luta excessivamente prolongada. O esforço de Cuba concentrou-se na busca da unidade. Constam as atas e fotos dos momentos históricos em que a mesma foi conseguida. Houve guerrilheiros que perderam anos planejando vitórias para as calendas gregas. Era uma concepção que não cabia em nossas mentes. É verdade, também, que os eternos apregoadores do capitalismo, manejados pelos órgãos de inteligência ianque, plantaram ideias extremistas na mente de alguns revolucionários.
América Central foi o teatro de um choque de ideias. Lembro que nos anos de Carter, um representante seu chamado Bob Pastor, que realizou visitas numerosas ao nosso país, exclamou mais de uma vez de maneira que parecia até ingênua, ao reunir-se comigo: “E por que você insiste tanto em unidade, unidade, unidade?”. Eu ria por dentro ao ver a reação alérgica daquele jovem funcionário norte-americano à unidade dos latino-americanos. Carter, contudo, era um Presidente dos Estados Unidos fora do comum, com princípios éticos, que partia de sua fé religiosa e não planejou assassinar Castro. Por isso, sempre o tratei com respeito. Sob seu governo, Torrijos obteve a soberania sobre o Canal evitando uma chacina que Bush pai perpetrou, mais tarde.
A história da América Central precisa de um livro que talvez alguém escreva, um dia. A vitoriosa Revolução na Nicarágua significou uma esperança. Reagan impôs a guerra suja, que custou milhares de vidas a esse país; fez explodir no velho continente o gasoduto da Sibéria em combinação com a Thatcher e o resto da OTAN; pôs em crise irrecuperável a URSS e liquidou o campo socialista. Criava-se uma situação totalmente nova.
Há pouco, escutava Tarek William, renomado poeta venezuelano e hoje governador de Anzoátegui, o estado petroleiro mais rico da Venezuela, que a uma de suas obras sociais deu o nome de Roque Dalton, poeta prestigioso e revolucionário, membro do ERP (Exército Revolucionário do Povo), estranhamente assassinado em El Salvador. Doído, revelou o nome do suposto assassino. “Dói-me muito” – exclamou – “quando os ianques o enviam aqui, para nos dizer como devemos fazer as coisas na Venezuela”. Realmente, desconhecia a vergonhosa ocorrência que lhe imputa Tarek. Tinha conhecido o sujeito quando era militante e chefe do ERP, uma destacada organização revolucionária, combativa e resoluta, com magníficos combatentes do povo. As alusões à morte de Roque Dalton pareciam meras calúnias. Dediquei, pessoalmente, dezenas de horas em lhe transmitir experiências, ideias, táticas e princípios da guerra. Não hesitou em aplicá-las. As unidades do ERP lutavam contra batalhões salvadorenhos treinados nos Estados Unidos com as mais modernas técnicas que tinham desenvolvido. Eu insistia: não executem os prisioneiros, não matem os feridos, superem essa prática torpe e estéril, porque assim jamais se renderão. Devo acrescentar que as armas com as que combatiam os revolucionários salvadorenhos eram as apreendidas em Saigon, cedidas a Cuba pelo Vietnã depois da vitória. Como se verá no capítulo IX, militantes revolucionários da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) realizaram proezas sem precedentes nas lutas de libertação da América Latina, levando em conta o número de homens e o volume de fogo das armas modernas.
Desaparecidos a URSS e o campo socialista, derrotada eleitoralmente a Revolução Nicaraguense pela sangria da guerra suja imposta por Washington, chegou a hora de outros movimentos da América Central tomarem decisões. Pediram minha opinião. “Só vocês podem decidir isso”, foi a resposta “só sei o que Cuba faria”. Desta feita, acrescento que o mencionado chefe do ERP recebeu bolsa de estudos em Oxford, estudou Ciências Políticas e Econômicas. Pelo que contou o governador de Anzoátegui, agora é assessor ianque sobre a arte de governar revolucionariamente.
O povo de Cuba suportou a desagregação da URSS sem se render e se preparou para lutar até as últimas consequências, para que – como disse Rubén Martínez Villena – seus filhos não tivessem de mendigar de joelhos o que seus pais conquistaram de pé.
Da matéria reunida e analisada saiu um pequeno livro. Seus capítulos puderam ser reduzidos a partes aproximadamente iguais, se bem que alguns são mais extensos e outros mais breves. Não quisemos que a forma prevalecesse sobre o conteúdo. Incluíram-se textos imprescindíveis para compreender os problemas. Uso o método de selecionar ideias básicas como constam nos documentos.
Dispor dos elementos de juízo requeridos é um dever dos que lutam verdadeiramente por um mundo melhor e mais justo.
1 Jorge Eliécer Gaitán (1903-1948), político e advogado colombiano, congressista de 1929 a 1948. Candidato dissidente do Partido Liberal à presidência da República para o período 1946-150. Seu assassinato em Bogotá provocou grandes distúrbios populares conhecidos como O Bogotaço. (N. do E.).
Capítulo I
A PRIMEIRA DECLARAÇÃO DE HAVANA
Desde a vitória mesma, a Revolução Cubana se caracterizou pela honestidade de seus acontecimentos, fazendo aquilo que tinha prometido. Conhecia desigualdades, injustiças, discriminação, sofrimentos, humilhação. Estava determinada a pôr fim à exploração do homem pelo homem e atingir a justiça numa nação pela que se tinham sacrificado gerações inteiras de cubanos.
Na busca de tais objetivos históricos travou-se a dramática luta que em breve completará meio século.
A Revolução proclamou verdades que são muito mais evidentes que as consignadas na Declaração de Filadélfia em 4 de julho de 1776. À medida que as 13 colônias sublevadas se converteram, aos poucos, no mais poderoso império que jamais existiu, mediante a expansão, o genocídio e a conquista, generalizaram-se cada vez mais os direitos políticos e econômicos que a ilha de Cuba arvorou.
A Revolução tinha apenas 20 meses de vida quando os Ministros de Relações Exteriores da América Latina, convocados pelo Conselho da Organização dos Estados Americanos, se reuniram com o Secretário de Estado ianque em São José da Costa Rica, de 22 a 29 de agosto de 1960, para julgar e condenar Cuba.
Observe-se bem o palavreado oco e hipócrita e o estilo petulante e leguleio que utilizaram.
O acordo de Costa Rica
“Condena energicamente a intervenção ou ameaça de intervenção, mesmo se for condicionada, de uma potência extracontinental em assuntos das repúblicas americanas, e declara que a aceitação de uma ameaça de intervenção extracontinental por parte de um Estado americano coloca em perigo a solidariedade e a segurança americana, o que obriga a Organização dos Estados Americanos a reprová-la e rechaçá-la com a mesma determinação.
”Rechaça, também, a pretensão do bloco sino-soviético de utilizar a situação política, econômica ou social de qualquer Estado americano, considerando que a mencionada pretensão é suscetível a quebrar a unidade continental e colocar em perigo a paz e a segurança do Hemisfério.
”Reafirma o princípio de não intervenção de um Estado americano nos assuntos internos e externos dos demais Estados americanos, e renova que cada Estado tem o direito de desenvolver livre e espontaneamente sua vida cultural, política e econômica, respeitando os direitos da pessoa humana e os princípios da moral universal e, por conseguinte, nenhum Estado americano pode intervir com o propósito de impor a outro Estado americano suas ideologias ou princípios políticos, econômicos ou sociais.
“Reafirma que o sistema interamericano é incompatível com qualquer forma de totalitarismo.
”Proclama que todos os Estados membros da organização regional têm a obrigação de se submeter à disciplina do sistema interamericano, voluntária e livremente convencionada, e que a mais firme garantia de sua soberania e independência política resulta da obediência às disposições da Carta da Organização dos Estados Americanos.
”Declara que todas as controvérsias entre Estados membros devem ser resolvidas pelos meios pacíficos de solução que confere o sistema interamericano.
”Reafirma sua fé no sistema regional e sua confiança na Organização dos Estados Americanos, criada para alcançar uma ordem de paz e de justiça que exclui qualquer possível agressão, fomentar a solidariedade entre seus membros, robustecer sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência política, visto que nesta Organização os membros encontram a melhor garantia para sua evolução e desenvolvimento.
”Resolve que esta declaração seja conhecida com o nome de ‘Declaração de São José da Costa Rica’”.
A resposta de Cuba
Três dias depois desta declaração, em 2 de setembro de 1960, perante uma multidão de centenas de milhares de cubanos ardorosos, se proclama a Primeira Declaração de Havana. Foi uma réplica merecida. Transcreverei parágrafos que exprimem textualmente a essência de seu conteúdo.
“Junto à imagem e a lembrança de José Martí, em Cuba, Território Livre de América, o povo, em uso das potestades inalienáveis, que dimanam do efetivo exercício da soberania […], se constituiu em Assembleia Geral Nacional.
”Em nome próprio, e recolhendo o sentimento dos povos de nossa América, a Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba,
”PRIMEIRO: Condena em todos seus termos a denominada Declaração de São José da Costa Rica, documento ditado pelo Imperialismo Norte-Americano, e atentatório à autodeterminação nacional, a soberania e a dignidade dos povos irmãos do Continente.
”SEGUNDO: A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba condena energicamente a intervenção aberta e criminosa que o Imperialismo norte-americano exerceu ao longo de mais de um século sobre todos os povos da América Latina; povos que mais de uma vez viram invadido seu solo no México, Nicarágua, Haití, Santo Domingo ou Cuba; que perderam extensas e ricas regiões pela voracidade dos imperialistas ianques, como Texas, centros estratégicos vitais, como o Canal do Panamá, países inteiros, como Porto Rico, convertido em território de ocupação […].
”Essa intervenção, afirmada na superioridade militar, em tratados desiguais e na submissão miserável de governantes traidores, transformou, ao longo de mais de cem anos, nossa América – a América que Bolívar, Hidalgo, Juárez, San Martín, O’Higgins, Sucre, Tiradentes e Martí quiseram livre – em região de exploração, em pátio traseiro do império financeiro e político ianque […].
[…]
”TERCEIRO: A Assembleia Geral Nacional do Povo também rechaça a intenção de preservar a Doutrina de Monroe, utilizada até agora, como tinha previsto José Marti, ‘para estender o domínio dos imperialistas vorazes em América, para injetar melhor o veneno também denunciado em tempo por José Martí, ‘o veneno dos empréstimos dos canais, das ferrovias […]’
” […] diante do hipócrita pan-americanismo que é só predomínio dos monopólios ianques sobre os interesses de nossos povos e manejo ianque de governos prosternados ante Washington, a Assembleia do Povo de Cuba proclama o latino-americanismo libertador que palpita em José Martí e em Benito Juárez. E, ao estender a amizade ao povo norte-americano – o povo dos negros linchados, dos intelectuais perseguidos, dos operários forçados a aceitar a direção de gangsteres – , reafirma a vontade de marchar ‘com o mundo todo e não com uma parte dele’.
”QUARTO: […] que a ajuda espontânea oferecida pela União Soviética a Cuba caso nosso país fosse atacado por forças militares imperialistas, não poderia ser considerada jamais um ato de intromissão, mas sim um evidente ato de solidariedade, e que essa ajuda, oferecida a Cuba diante de um iminente ataque do Pentágono ianque, honra tanto o Governo da União Soviética que a proporciona, quanto desonram o Governo dos Estados Unidos, suas covardes e criminosas agressões contra Cuba.
” […] A Assembleia Geral Nacional do Povo declara perante América e o mundo, que aceita e agradece o apoio dos foguetes da União Soviética […]”.
(A URSS tinha declarado que se Cuba era atacada militarmente, podia apoiá-la com foguetes estratégicos. Tais armas estavam situadas em território soviético.)
“QUINTO: A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba nega categoricamente que tivesse existido pretensão por parte da União Soviética e a República Popular da China de ‘utilizar a posição econômica, política e social’ de Cuba, ‘para quebrar a unidade continental e colocar em perigo a unidade do hemisfério’.
”Desde o primeiro até o último tiro, desde o primeiro até o último dos vinte mil mártires que custou a luta para derribar a tirania e conquistar o poder revolucionário, desde a primeira até a última lei revolucionária, desde o primeiro até o último ato da Revolução, o povo de Cuba atuou por livre vontade, sem que se possa culpar jamais a União Soviética ou a República Popular da China da existência de uma revolução, que é a resposta cabal de Cuba aos crimes e às injustiças instaurados pelo imperialismo em América.
” […] A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba entende que a paz e a segurança do hemisfério e do mundo correm risco por causa da política de isolamento e hostilidade contra a União Soviética e a República Popular da China preconizada pelo Governo dos Estados Unidos e imposta por este aos governos da América Latina, bem como o comportamento belicoso e agressivo do Governo norte-americano, e sua negativa sistemática à entrada da República Popular da China nas Nações Unidas apesar de representar aquela quase todo o país de mais de 600 milhões de habitantes.
” […] A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba ratifica sua política de amizade a todos os povos do mundo e reafirma seu propósito de estabelecer relações diplomáticas com todos os países socialistas. Desde este instante, em uso de sua soberania e livre vontade, manifesta ao Governo da República Popular da China, que concorda em estabelecer relações diplomáticas entre os dois países e, portanto, ficam rescindidas as relações que até hoje Cuba tinha mantido com o regime fantoche que sustentam os navios da Sétima Frota ianque em Formosa.
”SEXTO: A Assembleia Geral Nacional do Povo reafirma – convencida de expressar o critério dos povos da América Latina –, que a democracia não é compatível com a oligarquia financeira, com a existência da discriminação do negro e os abusos do Ku Klux Klan, com a perseguição que privou cientistas como Oppenheimer de seus cargos; que impediu que o mundo escutasse, durante anos, a voz maravilhosa de Paul Robeson, preso em seu próprio país, e que conduziu à morte o casal Rosenberg apesar dos protestos, das apelações de governantes de diferentes países e do papa Pio XII, e o espanto do mundo todo.
”A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba, expressa a convicção cubana de que a democracia não pode consistir no exercício de um voto eleitoral – quase sempre fictício e controlado por latifundiários e políticos profissionais – e sim no direito dos cidadãos de decidir seu próprio destino, como esta Assembleia Geral do Povo de Cuba está fazendo agora. Além disso, a democracia só existirá na América quando os povos forem verdadeiramente livres para eleger, quando os humildes não estiverem reduzidos – pela fome, desigualdade social, analfabetismo e sistemas jurídicos – à mais funesta impotência.
” […] Condena o latifúndio, fonte de miséria do camponês e sistema de produção agrícola retrógrado e desumano; condena os salários de miséria e a exploração iníqua do trabalho humano por interesses bastardos e privilegiados; condena o analfabetismo, a falta de professores, de escolas, de médicos e de hospitais, a falta de proteção à velhice que reina nos países da América: condena a discriminação do negro e do índio; condena a desigualdade e a exploração da mulher; condena as oligarquias militares e políticas que mantêm nossos povos na miséria, impedem seu desenvolvimento democrático e pleno exercício de sua soberania; condena as concessões dos recursos naturais de nossos países aos monopólios estrangeiros como política entreguista e que trai o interesse dos povos; condena os governos que fazem ouvidos moucos ao sentimento de seus povos obedecendo aos mandatos de Washington; condena os órgãos de divulgação que enganam sistematicamente os povos defendendo o interesse das oligarquias e a política do imperialismo opressor; condena o monopólio das notícias pelas agências ianques, instrumentos dos trustes norte-americanos e agentes de Washington; condena as leis repressivas que impedem os operários, os camponeses, os estudantes e os intelectuais, as grandes maiorias de cada país, de se organizarem e lutarem por suas reivindicações sociais e patrióticas; condena os monopólios e as empresas imperialistas que saqueiam continuamente nossas riquezas, exploram nossos operários e camponeses, exaurem e mantêm atrasadas nossas economias, e submetem a política da América Latina a seus desígnios e interesses.
”A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba, condena, finalmente, a exploração do homem pelo homem, e a exploração dos países subdesenvolvidos pelo capital financeiro imperialista. Em consequência, a Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba, proclama perante América:
”O direito dos camponeses à terra; o direito do operário ao fruto de seu trabalho; o direito das crianças à educação; o direitos dos doentes ao atendimento médico e hospitalar; o direito dos jovens ao trabalho; o direito dos estudantes ao ensino livre, experimental e científico; o direito dos negros e dos índios à ‘dignidade plena do homem’; o direito da mulher à igualdade civil, social e política; o direito do idoso a uma velhice segura; o direito dos intelectuais, artistas e cientistas a lutarem, com suas obras, por um mundo melhor; o direito dos Estados à estatização dos monopólios imperialistas, para salvar assim as riquezas e os recursos nacionais; o direito dos países ao comércio livre com todos os povos do mundo; o direito das nações à sua soberania plena; o direito dos povos a transformar seus fortes militares em escolas, e armar seus operários, seus camponeses, seus estudantes, seus intelectuais, o negro, o índio, a mulher, o jovem, o idoso, todos os oprimidos e explorados, para que defendam, por si mesmos, seus direitos e seus destinos.
”SÉTIMO: A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba postula: O dever dos operários, dos camponeses, dos estudantes, dos intelectuais, dos negros, dos índios, dos jovens, das mulheres, dos idosos, de lutarem por suas reivindicações econômicas, políticas e sociais; o dever das nações oprimidas e exploradas de lutarem por sua libertação; o dever de cada povo de se solidarizar com todos os povos oprimidos, colonizados, explorados ou agredidos, seja qual for o lugar em que estes se encontrem e a distância geográfica que os separe. Todos os povos do mundo são irmãos!
”OITAVO: A Assembleia Nacional do Povo de Cuba reafirma sua fé em que a América Latina marchará logo, unida e vencedora, livre de atamentos que transformem sua economia em riqueza alienada para o imperialismo norte-americano e que impedem fazer ouvir sua verdadeira voz nas reuniões em que os chanceleres domesticados fazem coro infamante com o amo despótico […].
”NONO: A Assembléia Geral Nacional do Povo de Cuba resolve: que esta declaração seja divulgada como ‘Declaração de Havana’, Cuba, Havana, Território Livre de América. Setembro, 2 de 1960”.
“Levamos esta Declaração de Havana à consideração do povo, que levantem a mão os que apoiam a Declaração”.
A multidão levantou a mão e bateu palmas durante vários minutos.
Perguntei logo: “O que faremos com a Declaração de São José?” O povo exclamou: “Vamos rasgá-la!”.
Rasguei a declaração. Era o mesmo lixo que repetiram na OEA durante dezenas de anos e que o nosso brilhante ministro de Relações Exteriores Raúl Roa García tachou de Ministério de Colônias Ianque.
Quase um ano e meio depois, uma nova e cínica declaração dos chanceleres da OEA nos obrigou a assinar a Segunda Declaração de Havana.