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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Lynn Raye Harris. Todos os direitos reservados.

PASSADOS TORMENTOSOS, N.º 1447 - Março 2013

Título original: Unnoticed and Untouched

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®, Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2562-8

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

– Menina Black, esta noite, vai acompanhar-me.

Faith levantou bruscamente a cabeça. O seu chefe, Lorenzo D’Angeli, protótipo do empresário italiano arrogante, vestido com fato e sapatos feitos à medida, olhava para ela da porta do escritório. O coração parou face ao rosto bonito de feições angulosas, pele bronzeada e olhos azuis. Não era a primeira vez, mas irritava-a não conseguir controlar-se.

Sabia tudo dos homens como ele. Arrogantes e egoístas. Bastava reparar em como tratava as mulheres que entravam e saíam da sua vida com regularidade desumana, embora com ela sempre se mostrasse cortês.

– Deverá vestir-se formalmente – continuou ele. – Se precisar de roupa, tire a tarde e ponha as suas compras na minha conta.

O coração de Faith parou. Durante os seis meses que passara a trabalhar para o seu chefe, fora às compras em várias ocasiões, mas sempre para adquirir gravatas de seda, botões de punho de ouro ou para escolher algum presente para a mulher do momento, mas era a primeira vez que lhe pedia para ir às compras para ela própria.

– Lamento, senhor D’Angeli – respondeu, com cortesia, – receio que não compreenda.

– A menina Palmer já não virá – Lorenzo não suavizou a expressão. – Preciso de acompanhante.

Faith ficou tensa. Substituir a ex-namorada do seu chefe não entrava nas suas funções.

– Senhor D’Angeli... – começou.

– Faith, preciso de si.

Aquelas palavras conseguiram causar-lhe um tremor por todo o corpo. Porque lhe permitia fazer-lhe isso? Porque é que a mera ideia de passear com ele pela cidade a fazia sentir-se fraca se era a última pessoa do mundo com quem quereria estar?

Lorenzo D’Angeli não precisava de nenhuma mulher, recordou-se.

– É totalmente inapropriado, senhor D’Angeli. Não posso ir.

– Faith, é a única em quem posso confiar – respondeu ele. – A única que não brinca comigo.

– Eu não brinco consigo, senhor D’Angeli, porque sou a sua secretária.

– E é precisamente por isso que preciso de si ao meu lado esta noite. Sei que se comportará.

Comportar-se? Faith teve vontade de o esbofetear. No entanto, limitou-se a olhar para ele fixamente, com o coração tão acelerado como as famosas motos de D’Angeli Motors. Nunca compreenderia porque aquele homem a afetava tanto. Certamente, era bonito, mas estava convencido de que o mundo inteiro girava à sua volta.

Incluindo, segundo parecia, a sua secretária.

– Não prefere que telefone à menina Zachetti ou à menina Price? Tenho a certeza de que estarão disponíveis. E se não estiverem, mudarão de ideias assim que souberem quem telefona.

Qualquer uma delas morreria para passar uma noite com ele, pensou Faith, com o sobrolho franzido. Ainda não conhecera uma mulher que não o fizesse.

Renzo aproximou-se e apoiou as mãos sobre a sua secretária, olhando para ela fixamente nos olhos. Faith sentia o cheiro da sua água-de-colónia. Por muito atraente que fosse, aquele homem possuía sempre um certo ar selvagem que a fazia pensar nas motos que fabricava e conduzia.

Era famoso pelo seu sangue-frio, por desafiar a morte a mais de trezentos quilómetros por hora, tendo apenas como proteção um fato de couro e um capacete de fibra de carbono. Aquele homem ganhara cinco títulos mundiais antes de um acidente grave o condenar a ter a perna cheia de pregos e usar uma bengala para o resto da sua vida.

Mas, é óbvio, ele não aceitara tal destino e esforçara-se ao máximo para se livrar da bengala e regressar aos circuitos de corridas. A sua determinação dera-lhe mais quatro títulos e a alcunha de Príncipe de Ferro.

E foi essa determinação de ferro, de homem inquebrável, a olhar para ela com uns olhos azuis e penetrantes que a obrigou a desviar o olhar, apesar do seu empenho em não o fazer. Faith estendeu uma mão para o telefone com o coração acelerado.

– E qual será a dama sortuda? – insistiu ela, enquanto se recriminava pelo tom excessivamente agudo que delatava a agitação que sentia.

A mão de Renzo saiu disparada para a sua, obrigando-a a desligar. Tinha a pele quente e uma corrente de energia atravessou-a, causando-lhe uma rigidez imprópria dela.

– Haverá uma bonificação para si – anunciou Renzo, num tom doce. – Poderá ficar com a roupa. E pagar-lhe-ei o salário de um mês por me ajudar. Parece-lhe bem? Sim?

Faith fechou os olhos. Bem? Era maravilhoso. Um pagamento extra seria uma bênção para a sua conta bancária. Aproximá-la-ia do seu sonho de comprar um apartamento em vez de ter de viver num arrendado. Com um apartamento dela, teria a sensação de ter deixado a Georgia para trás e a sentença do seu pai de que nunca chegaria a ser alguém.

No entanto, devia rejeitar a oferta. Lorenzo D’Angeli estava sempre rodeado de fotógrafos e jornalistas. Como secretária pessoal, nunca tivera de se preocupar com isso, mas quem pensaria, vendo-a de braço dado com aquele homem, que se tratava apenas de trabalho?

Pouco importava que não fosse verdade. A sua fotografia acabaria na capa de algum jornal.

Que possibilidades havia de alguém ver uma fotografia de Faith Black e de a relacionar com Faith Louise Winston?

A pobre e desgraçada Faith Winston tremeu. Não estava disposta a viver com medo por causa de um erro do passado. Já não era aquela adolescente ingénua.

– Onde se celebra a festa? – perguntou, recriminando-se imediatamente pelas suas palavras.

Renzo suavizou a expressão e os seus olhos brilharam, ardentes. Tinha de ser uma alucinação porque o seu chefe nunca a olharia assim.

– Em Manhattan, na Quinta Avenida – Lorenzo ergueu-se com um sorriso de satisfação desenhado na sua boca sensual. – O meu carro irá buscá-la às sete. Tente estar pronta.

– Ainda não acedi a acompanhá-lo – indicou ela, com a boca seca.

Estava prestes a render-se, embora uma parte do seu ser se recusasse a ceder. O seu chefe tinha as coisas facilitadas e não ia cair aos seus pés só porque lhe pedira. Da única vez que se deixara convencer por um homem, as consequências tinham sido desastrosas.

No entanto, aquele homem era o seu chefe. Não fingia sentir algo por ela só para conseguir que cedesse aos seus desejos. E ela já não era uma criança impressionável de dezoito anos.

– Não tem nada a perder, Faith – continuou Renzo, com um sotaque suave que a fez tremer, – e muito a ganhar.

– Não faz parte do meu trabalho – insistiu ela, agarrando-se a essa certeza.

– Não.

Ambos se entreolharam sem dizer nada antes de Lorenzo voltar a inclinar-se sobre a mesa.

– Far-me-ia um grande favor – observou ele. – E estaria a ajudar a D’Angeli Motors.

E, então, esboçou aquele sorriso devastador, o que fazia com que modelos, atrizes e rainhas da beleza se derretessem de prazer. E Faith alarmou-se ao verificar que não era tão imune como tencionava ser.

– É óbvio que está no seu direito de se negar, mas ficar-lhe-ia eternamente agradecido, Faith, se não o fizesse.

– Não se trata de um encontro – sentenciou ela, com firmeza. – São estritamente negócios.

Lorenzo riu-se e ela corou violentamente. Porque dissera semelhante tolice? Nunca a consideraria para um encontro. Se queria pagar-lhe para fingir que era, não haveria problema. Desde que a relação se mantivesse no plano estritamente profissional, aceitaria o dinheiro e fugiria.

– Claro que não, cara – assentiu Renzo, oferecendo-lhe outro sorriso. – E agora, por favor, tire a tarde para ir às compras. Pode ir no meu carro.

– Tenho a certeza de que encontrarei algo adequado no meu armário – insistiu Faith.

– Guarda desenhos de última moda no seu armário, menina Black? – a expressão nos olhos de Lorenzo deixava claro que não acreditava. – Algo adequado para se dar com a alta sociedade de Nova Iorque?

– Penso que não – ela baixou o olhar, envergonhada. Apesar do bom salário que recebia, não era uma escrava da moda e, além disso, poupava tudo o que podia para comprar uma casa.

– Então, vá-se embora – ele sorriu, indulgente. – Isto está incluído no acordo, menina Black.

Lorenzo desapareceu por trás da porta do seu escritório, como se não tivesse a menor dúvida de que Faith ia obedecer-lhe. E ela suspirou e desligou o computador.

 

 

A perna de Renzo doía-lhe. Deixou de lado o portátil e esfregou a zona dorida enquanto o carro abria caminho entre o trânsito de Brooklyn a caminho do apartamento da sua secretária pessoal. Em vez de melhorar, cada vez se sentia pior. Os seus médicos tinham-no avisado de que poderia acontecer, mas trabalhara muito e não podia perder tudo o que conseguira. Já vencera a dor uma vez. Voltaria a fazê-lo.

Cravou o punho no músculo. Ainda não estava acabado. Recusava-se a que estivesse.

O seu principal adversário, Niccolo Gavretti, da Gavretti Manufacturing adoraria ver como perdia o seu título mundial seguinte e também a supremacia da D’Angeli no mercado. Franziu o sobrolho. Niccolo e ele tinham sido amigos ou, pelo menos, fora o que ele pensara.

Não podia perder. Aceleraria na pista com a Viper D’Angeli e demonstraria que criara a melhor moto do mundo da competição, uma vez solucionados os problemas de desenho. E ganharia outro título mundial.

Os investidores estariam contentes, o dinheiro fluiria e a versão para o público seria um enorme êxito. E, então, Renzo retirar-se-ia das corridas e deixaria que a equipa D’Angeli continuasse a dominar o circuito do Grand Prix.

«Dio, per favore, um último título». Uma última vitória e acabaria.

Aquela noite era crucial para os seus interesses e esperava não se ter enganado ao pedir à sua secretária pessoal, insípida, mas eficiente, para o acompanhar. As situações desesperadas exigiam medidas desesperadas.

É óbvio, poderia ter ido sozinho à festa de Robert Stein, mas não queria passar toda a noite a fugir da filha de Stein, muito jovem e muito caprichosa.

Além disso, era evidente que Robert Stein não gostava do interesse que Lissa mostrava por ele. Embora normalmente não se importasse com o que os pais pensavam, naquela ocasião devia deixar claro que não tinha o menor interesse em Lissa Stein. Para isso, precisava de uma acompanhante, uma mulher que não se afastasse do seu lado e que o agradasse em tudo.

Tudo correra bem até àquela manhã, quando dera por si a dizer a Katie Palmer as palavras que costumava dizer a uma mulher quando começava a cansar-se dela. Estavam a sair há um mês e começara a aproximar-se demasiado. O estojo de maquilhagem escondido num canto da casa de banho não o incomodara, nem a escova de dentes, mas a lâmina cor-de-rosa fora a gota de água.

Não se importava que uma rapariga ficasse a passar a noite, desde que ele lhe pedisse, mas o facto de começar a instalar-se a pouco e pouco depois de apenas uma dúzia de encontros era muito irritante. O sexo era um aspeto importante e enriquecedor na sua vida, mas não via nenhuma necessidade de o confundir com a coabitação. Não precisava de viver com uma mulher para desfrutar dela e sempre o deixara claro desde o princípio. Cada vez que alguma ultrapassava a linha, era automaticamente expulsa da sua vida.

Katie Palmer era uma mulher bonita e excitante, mas começara a deixá-lo indiferente, mesmo antes de ter aparecido a lâmina cor-de-rosa. Não o entendia, pois era o tipo de mulher com quem costumava sair: bonita, superficial e intelectualmente pouco exigente.

Renzo devolveu a sua atenção ao portátil em que estivera a trabalhar. Talvez devesse ter aceitado a sugestão de Faith e ter telefonado a alguma antiga namorada para aquela noite, mas pensara que fazer-se acompanhar pela sua secretária pessoal poderia ser mais produtivo do que levar uma mulher que esperaria que lhe prestasse atenção.

Com Faith, seria uma questão de negócios. Era uma mulher calada e competente. Não carecia de beleza ou, pelo menos, era o que pensava, embora nunca tivesse procurado nela sinal algum de beleza. Para quê? Era a sua secretária pessoal e era bastante eficiente no seu trabalho.

Faith era perfeita, embora não tivesse nada de especial. Usava sempre fatos escuros e os cabelos dourados presos num rabo-de-cavalo ou num coque. Também usava uns óculos escuros.

Tinha os olhos verdes, dourados como as folhas na primavera, e o seu olhar destilava inteligência. Além disso, cheirava bem, a chuva misturada com flores exóticas.

No entanto, naquela tarde, quando olhara para ele nos olhos com o rosto corado, tivera, durante um instante selvagem e inconcebível, o impulso de a beijar.

Não tinha sentido. Faith Black era eficiente e cheirava bem, mas não era o seu tipo. Gostava dela porque era profissional e excelente em tudo o que fazia, mas não o atraía.

Certamente, fora produto do stress a que estivera submetido ultimamente para preparar a Viper. Era preciso resolver alguns problemas para que a moto não fracassasse na pista.

Renzo nunca aceitava o fracasso. Investira muito dinheiro e tempo no desenvolvimento da moto e precisava de a ver triunfar. O êxito era tudo. Sabia desde adolescente, desde que descobrira que tinha um pai que não queria saber nada dele.

Porque o seu sangue não era real, como o do conde de Lucano, ou como o dos filhos que o conte tivera com a sua esposa. Renzo era o bastardo, o produto desafortunado de uma aventura apressada com uma empregada. Em teoria, não devia ter triunfado, mas fizera-o e tinha intenção de continuar a fazê-lo.

Lorenzo D’Angeli nunca cedia face aos desafios. Tinha vivido e triunfado com eles.

A limusina parou à frente de um simples edifício de um bairro velho. Renzo fez uma careta de dor ao mexer a perna. Embora devesse pedir ao motorista para ir buscar Faith, não ia permitir sequer esse pequeno instante de vulnerabilidade.

O bairro não parecia perigoso, embora descuidado. Uma lembrança indesejável abriu caminho na sua mente. Outro momento. Outro lugar.

Outra vida, quando não possuía nada e tivera de lutar para dar de comer à sua mãe e à sua irmã mais nova. Naquela época estivera cheio de raiva. Se a sua mãe fosse mais enérgica, mais exigente, pelo menos teria assegurado a comida e a habitação por parte do conte. Embora a adorasse, a sua mãe fora muito fraca para lutar quando devia tê-lo feito.

Ignorando a sensação de impotência que as lembranças lhe tinham despertado, entrou no edifício, encaminhando-se para o apartamento de Faith no segundo andar. Não havia elevador e Renzo subiu as escadas a bom ritmo, apesar da dor na perna. Depois de um momento para descansar da dor aguda da perna, tocou à campainha.

Faith abriu imediatamente. A mulher que apareceu teria deixado Lorenzo boquiaberto se não possuísse controlo sobre si próprio. Faith Black estava... diferente. Não era que se tivesse transformado numa deusa, mas, certamente, transformara-se.

Os óculos tinham desaparecido e estava maquilhada. Não recordava tê-la visto maquilhada antes, pelo menos não assim. Os lábios, pintados de vermelho, eram carnudos e brilhantes. Prontos para serem beijados.

Como?

– Senhor D’Angeli! – exclamou ela, com expressão de surpresa.

– Esperava outra pessoa? – perguntou Lorenzo, com doçura e uma certa irritação.

– Bom, sim. Pensava que ia enviar o seu motorista e que nos encontraríamos na festa.

– Como pode ver, não foi assim – deslizou o olhar pelo corpo da jovem antes de parar novamente sobre os seus bonitos olhos verdes.

Parecia surpreendida e incomodada e fê-lo perguntar-se se não seria possível que ela não se sentisse atraída por ele.

Impossível! Claro que gostava. Ainda não conhecera uma mulher que não gostasse dele.

– Está linda, menina Black.

E deliciosa, verificou com estupor.

Tinha os cabelos presos num coque elegante de que escapava uma madeixa rebelde que descansava sobre a sua face. O vestido cor de lavanda era recatado e de gola alta, sem mangas e justo sobre o peito generoso.

Era, no mínimo, perturbador descobrir que possuía curvas, uma forma diferente da de uma caixa. Estava repleta de curvas, das mais suaves do queixo até às do decote, e daí para as das ancas que se adivinhavam sob o vestido vaporoso.

As faces coraram enquanto os olhos verdes se afastavam dos seus. Com satisfação, Renzo constatou que não era totalmente imune a ele.

– Obrigada. Eu... Eu estava à procura do brinco. Caiu-me.

– Deixe-me ajudá-la – Renzo verificou que, na verdade, só tinha um diamante.

Empurrou a porta e Faith, com um ar reticente, desviou-se para o deixar entrar. O apartamento era pequeno, embora limpo. Os móveis estavam velhos e sobre uma mesa descansava um monte de revistas entre as quais, constatou com prazer, havia algumas revistas de motos. Na revista do topo do monte, ele aparecia na capa, vestido de couro e com um ar sério, posando junto de um protótipo da Viper. A expressão obedecia ao facto de o comportamento da máquina ser muito inferior ao esperado.

Desviou o olhar da revista e continuou com a inspeção da casa de Faith. Sobre uma estante numa parede empilhavam-se numerosos livros. As paredes brancas estavam cobertas de fotografias cheias de cor, condizendo com as almofadas nos móveis. Decididamente, era um espaço feminino, embora não carregado.

– Por aqui – indicou Faith, conduzindo-o até uma cozinha diminuta.

No apartamento, em que quase não havia espaço para dois adultos, percebeu com nitidez a fragrância suave que aprendera a identificar como sendo da sua secretária.

– Caiu por aqui – explicou ela. – Não pode estar muito longe.

Durante uns instantes, Lorenzo não soube do que lhe falava. Durante uns instantes, desejou empurrá-la contra a bancada e soltar-lhe os ganchos do cabelo, mas abanou imediatamente a cabeça e regressou à realidade.

– Permita-me – tirou o telemóvel do bolso e acendeu a lanterna incorporada.

Faith achou impossível deixá-lo passar sem tocar no seu corpo e Lorenzo sentiu um calafrio de prazer. «Stress», disse-se. «Isto é culpa do stress.»

– Porque estava a pôr os brincos na cozinha, menina Black? – perguntou ele.

– Tinha pressa – respondeu Faith. – Queria estar na rua quando chegasse o carro.

– Tinha pensado esperar na rua? – o seu chefe olhou para ela, perplexo. – Com essa roupa?

écharpe

O motorista esperava junto do carro com a porta aberta e Renzo ofereceu uma mão a Faith para a ajudar a entrar. No entanto, ela rejeitou-a e instalou-se sem ajuda de ninguém.

– Devia saber algo sobre esta noite, senhor D’Angeli? – perguntou ela, depois de terem passado vários minutos a atravessar as ruas de Manhattan.

Renzo olhou para ela e viu nos seus olhos a secretária eficiente que revia os relatórios com ele todas as manhãs.

«Grazie a Dio», tinham regressado a um terreno familiar. Talvez finalmente conseguisse deixar de pensar em como cheirava, no aspeto delicado e feminino que possuía, e que não notara até então. Porque não notara até então?

– Vamos jantar na residência de Robert Stein. Certamente, compreenderá a importância.

– Stein Engineering patenteou um novo pneu de corridas – ela assentiu. – E tenta fazer com que faça esses pneus em exclusive para a Viper.

– De modo que presta atenção durante as reuniões – brincou ele.

– É óbvio – Faith olhou para ele, surpreendida e ofendida. – É para isso que me paga, senhor.

As Katie Palmer da sua vida mostravam descaradamente as suas intenções. Eram muito conscientes da sua beleza e muito ciumentas. Ao princípio, eram sempre divertidas, mas depressa se cansava de tudo aquilo.

Sabia que a culpa era dele, porque era ele que escolhia aquele tipo de mulheres, mas vira a sua mãe doce e frágil a mendigar amor durante anos e vira-a ferida várias vezes. Ela pensava sempre que o novo homem que aparecia na sua vida ia ser o seu salvador.

E por causa daquilo, Renzo tinha evitado sistematicamente o tipo de mulher que não compreendesse que o sexo era sexo e que o amor não encaixava na equação. Não acreditava no amor. Se o amor existisse, a sua mãe teria encontrado a felicidade há anos.

Faith não se parecia com as mulheres com quem costumava sair. Não era superficial, nem frágil. Naquele momento, olhava para ele com um ar que poderia interpretar-se como de aversão dissimulada.

Era um desafio e adorava desafios.

E por isso não pôde evitar o que se seguiu. Segurou na mão de Faith e desenhou pequenos círculos na palma com o polegar. Sentiu claramente como ela tremia enquanto sustinha a respiração e desfrutou, satisfeito, do momento. Não era tão insensível, por muito hostil que parecesse, e adorava isso.

– Não te parece, cara mia, que devias chamar-me Renzo? – perguntou.