Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
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A FILHA DO PIRATA, Nº 229 - Junho 2011
Título original: A Lady at Last
Publicada originalmente por HQN™ Books
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-9000-250-6
Editor responsável: Luis Pugni
ePub: Publidisa
Para a minha irmã, Jamie, pois esta história não teria sido possível sem ela. A sua vida inspirou-me para escrever sobre a vida de Amanda. Oxalá ela tivesse encontrado um herói para a salvar! Sei que deve estar a gozar comigo, sem conseguir acreditar que a sua irmã mais velha continue a ser uma louca romântica. Suponho que é uma tolice...
Jamie, isto é para ti.
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze
Quinze
Dezasseis
Dezassete
Dezoito
Dezanove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Epílogo
Promo
King's House, 20 de Junho de 1820
Achava graça que o considerassem o melhor cavalheiro e corsário da sua época. «Cavalheiro» e «corsário» eram duas palavras que nunca deveriam pronunciar-se na mesma frase, embora ele fosse uma excepção à regra. Cliff de Warenne, o terceiro filho do conde de Adare e o mais novo, observou o cadafalso recentemente construído com uma expressão séria. Sim, era verdade que nunca perdera uma batalha, nem a sua presa, pois não encarava a morte com ligeireza. Segundo as suas estimativas, já usara umas seis vidas e esperava que restassem, no mínimo, mais três.
As execuções na forca eram as que costumavam atrair mais gente. Vagabundos, latifundiários, damas e rameiras chegavam à cidade para presenciar a execução do pirata. No dia seguinte, esperariam ansiosos e cheios de excitação, aplaudiriam e gritariam com entusiasmo, quando o pescoço do pirata se partisse.
Cliff era um homem alto e bronzeado. Tinha o cabelo comprido, num tom acastanhado com reflexos dourados e os olhos azuis brilhantes que caracterizavam os homens da família de Warenne. Usava botas altas, calças brancas e uma simples camisa de linho, e estava bem armado. Mesmo quando se encontrava entre a alta sociedade, costumava ter uma adaga sob o cinto e um estilete na bota, já que conseguira a sua fortuna pela via difícil e conquistara uma boa quantidade de inimigos. De qualquer modo, nas ilhas, não tinha tempo para se preocupar com a moda.
De repente, apercebeu-se que ia chegar tarde ao seu encontro com o governador colonial, mas naquele momento, estavam a entrar três damas muito elegantes, entre as quais havia uma especialmente bonita. As mulheres começaram a sussurrar com excitação assim que o viram. Era óbvio que se dirigiam para o cadafalso, para observarem o lugar onde ia celebrar-se a execução no dia seguinte. Em condições normais, já estaria a decidir com qual delas iria para a cama, mas sentiu repugnância pelo interesse que mostravam pela execução.
Com a entrada imponente em King's House, a residência do governador, observou-as quando se aproximaram do cadafalso. O fascínio que despertava nas damas da alta sociedade era muito conveniente, pois tal como o resto dos homens de Warenne, era muito viril. A loira era a esposa do dono de uma plantação que conhecia bem, mas a beleza morena devia ter chegado recentemente à ilha. Esboçou um sorriso. Era óbvio que sabia quem ele era e o que era... E estava claro que se mostrava disposta a oferecer-lhe os seus serviços, no caso de estar interessado em aceitá-los.
Mas não estava, portanto, limitou-se a cumprimentá-la com amabilidade, com um gesto da cabeça. Olhou para ela fixamente por um instante e, finalmente, virou-se. Ele era um nobre e um comerciante, quando não estava ocupado a aceitar trabalhos como corsário, mas os boatos que o definiam como canalha e ladrão continuavam de todas as formas. Na verdade, uma amante especialmente apaixonada chamara-lhe pirata. A verdade era que, apesar de ter recebido a educação de um cavalheiro, sentia-se mais confortável em Spanish Town do que em Dublin, Kingston ou Londres e não o escondia. Ninguém podia ser um cavalheiro quando estava na coberta de um barco, no meio de uma caçada. Nessas circunstâncias, a nobreza podia conduzir à morte.
De qualquer modo, os rumores nunca o tinham incomodado. Construíra a vida que desejara sem a ajuda do pai e era considerado um dos melhores navegadores da sua época. Apesar de sentir saudades da Irlanda, que era o lugar mais bonito do mundo, no seu barco era livre. Mesmo quando estava no condado, rodeado da família que adorava, tinha consciência de como era diferente dos seus dois irmãos, o herdeiro e o segundo na linha de sucessão ao título. Eles tinham imensas obrigações e responsabilidades e, em comparação, ele era um verdadeiro corsário. A sociedade acusava-o de ser diferente, dizia-se que era um excêntrico, que não encaixava e era verdade.
Mesmo antes de se virar para entrar em King's House, duas damas juntaram-se às anteriores. Na praça, havia cada vez mais gente. Um cavalheiro que reconheceu, um comerciante próspero de Kingston e vários marinheiros também se aproximaram das mulheres.
– Espero que esteja a desfrutar da sua última refeição – comentou um dos marinheiros, dando uma gargalhada.
– É verdade que cortou o pescoço a um oficial da armada inglesa e pintou o camarote com o sangue? – perguntou uma das damas.
– É uma velha tradição pirata – respondeu o homem, exibindo um sorriso.
Cliff fez uma careta ao ouvir aquela tolice.
– Os piratas gostam de fazer justiça neste lugar? – perguntou a bela morena, claramente fascinada.
Cliff virou-se com desagrado. A execução ia ser um circo e, o mais irónico, era que Rodney Carre era um dos piratas menos ameaçadores e com menos sucesso que tinham sulcado os mares. Iam enforcá-lo porque o governador Woods estava empenhado em usá-lo como exemplo, fosse como fosse. Os crimes de Carre eram insignificantes, em comparação com os dos canalhas desumanos que abundavam nas Caraíbas, mas o tipo fora suficientemente inepto para deixar que o apanhassem.
Conhecia-o, embora de forma superficial. A casa que ele tinha na ilha, Windsong, era no extremo noroeste da rua do porto e costumava ver Carre com frequência a arranjar o barco ou a descarregar a mercadoria. Ao longo dos últimos doze anos, não deviam ter trocado mais do que algumas dúzias de palavras e, regra geral, limitavam-se a cumprimentar-se com a cabeça quando se viam. Não havia razão alguma para se sentir afectado com a execução daquele homem.
– Vão matar também a filha do pirata? – perguntou uma das mulheres, com excitação.
– Não apanharam Sauvage – disse o cavalheiro. – Além disso, não penso que alguém desta ilha queira acusá-la de alguma coisa.
Cliff apercebeu-se do motivo do seu desagrado: Carre tinha uma filha, que ia ficar órfã. Era demasiado jovem para ser acusada de pirataria, mas navegara com o pai.
Pensou com firmeza que aquilo não lhe dizia respeito, mas enquanto ia para King's House recordou-a com total clareza. Vira-a algumas vezes, a nadar vestida com uma camisola simples ou de pé na proa do barco, a desafiar o vento e o mar com atitude temerária. Não a conhecia mas, tal como o resto dos habitantes da ilha, conseguiria reconhecê-la imediatamente. Aparentemente, a jovem corria pelas praias e pelas ruas da cidade, e o seu cabelo comprido e selvagem, da cor da lua, contribuía para que fosse impossível ignorá-la. Era indómita e livre, e ele passara anos a admirá-la ao longe.
Sentiu-se incomodado e decidiu pensar noutra coisa. Ao fim e ao cabo, no dia seguinte, nem sequer estaria em Spanish Town quando enforcassem Carre. Questionou-se por que motivo o governador o mandara chamar. Eram amigos e tinham trabalhado juntos com frequência em assuntos políticos, concernentes à ilha, e até em assuntos legislativos. Aceitara dois trabalhos dele e sempre conseguira capturar os piratas em questão. Woods era um político e um governador que respeitava... E até tinham saído à noite, várias vezes, porque o governador também gostava de se divertir com as damas, quando a esposa não estava na ilha.
As esporas de ouro e rubis que usava marcaram os seus passos, enquanto deixava para trás as seis colunas jónicas que seguravam uma fachada com o brasão britânico. Ao chegar às portas enormes da residência do governador, dois soldados travaram-lhe o caminho imediatamente, mas relaxaram ao reconhecê-lo.
– Bom dia, capitão de Warenne. O governador Woods ordenou que o deixássemos entrar imediatamente.
Cliff assentiu e entrou num enorme hall com o chão de parqué perfeitamente encerado. Um enorme lustre de cristal pendia do tecto. Além de uma entrada circular, era possível ver-se uma sala formal onde preponderavam os veludos e os brocados vermelhos.
Thomas Woods estava sentado atrás da secretária, mas ao vê-lo, sorriu e levantou-se.
– Olá, Cliff! Entra, homem, entra.
Cliff entrou na sala e apertou-lhe a mão. O governador era um homem magro e atraente de cerca de trinta anos, e tinha um bigode elegante.
– Bom dia, Thomas! Já vi que a execução irá ser levada a cabo segundo o previsto – as palavras pareceram escapar da sua boca por vontade própria.
Woods assentiu com satisfação e comentou:
– Estiveste quase três meses fora, portanto, não sabes o que significa tudo isto.
– Claro que sei – Cliff voltou a sentir aquela tensão estranha, ao pensar no futuro da filha do pirata. De repente, decidiu que talvez fosse visitar Carre a Port Royal. – Carre continua em Fort Charles?
– Foi transferido para a prisão do tribunal.
O edifício do tribunal fora completado no ano anterior e ficava em frente da residência do governador, do outro lado da praça. Woods aproximou-se de um enorme aparador dinamarquês, que continha uma prateleira com bebidas, serviu dois copos e deu-lhe um.
– Brindo à execução de amanhã.
Em vez de responder ao brinde, Cliff comentou:
– Talvez devesses tentar capturar os piratas que navegam sob a bandeira de José Artigas. Rodney Carre não tem nada a ver com esses assassinos, meu amigo.
Artigas era um general gaúcho, que estava em guerra tanto com Espanha como Portugal.
Woods sorriu e disse:
– Na verdade, esperava que acedesses a encarregar-te dos homens de Artigas.
Cliff era um caçador nato, portanto, a proposta era aliciante. Woods estava a oferecer-lhe uma missão perigosa e, embora em condições normais a tivesse aceitado sem pensar duas vezes, continuou a insistir no assunto que mais lhe interessava.
– Carre nunca cometeu a imprudência de atacar interesses britânicos – disse, antes de beber um gole.
– E por isso é um pirata decente? Por acaso, é um pirata «bom»? Não entendo porque o defendes. Foi julgado e condenado, portanto, será executado amanhã ao meio-dia.
Na mente de Cliff, apareceu uma imagem vívida e indelével: com aquele cabelo tão pálido, como uma estrela reluzente, vestida com uma camisa e umas calças encharcadas, Sauvage levantou os braços e mergulhou no mar, junto da proa do barco do pai. Vira-a pela luneta da sua fragata preferida, a Fair Lady, ao regressar a casa no ano anterior. Ao vê-la emergir da água a rir-se, quase desejara poder mergulhar junto dela nas águas cristalinas.
– E a menina? – ouviu-se a dizer. Não tinha ideia da sua idade, mas como era bela e esbelta, supunha que devia ter entre doze e catorze anos.
Woods pareceu espantar-se.
– Referes-te à filha de Carre? Sauvage?
– Sei que a Coroa lhes arrebatou a quinta. O que vai ser dela?
– Pelo amor de Deus, Cliff, não faço ideia. Diz-se que a jovem tem família em Inglaterra, talvez decida ir viver lá. Embora suponha que também poderia ir para Sevilha, para o orfanato das Irmãs de Santa Ana.
Cliff não achou nenhuma graça à ideia, porque era impossível imaginar um espírito livre como ela aprisionado daquela forma. Não sabia que a jovem tinha família em Inglaterra, ainda que, como Carre fora noutra época oficial da armada, isso fosse possível.
– Estás um pouco estranho, meu amigo – comentou Woods. – Pedi para vires ver-me porque esperava que aceitasses um trabalho.
Cliff obrigou-se a deixar de pensar na filha de Carre e esboçou um sorriso.
– Posso albergar a esperança de que o objectivo que tens em mente é o Toureiro? – perguntou, falando do pirata mais sanguinário que agia na zona.
– Claro que podes – respondeu Woods, com um sorriso enorme.
– Será um prazer aceitar o trabalho.
Cliff pensou que a caça eliminaria, sem dúvida, o seu estado de espírito irascível e a inquietação que o embargava. Costumava passar um ou dois meses em Windsong, mas daquela vez, só estava há três semanas. A única coisa que o entristecia era afastar-se outra vez tão depressa dos seus pequenos. O filho e a filha viviam na casa da ilha e sentia muitas saudades quando estava longe deles.
– Anda, vamos jantar. Pedi ao meu cozinheiro para fazer os teus pratos preferidos – disse Woods com camaradagem, enquanto o puxava pelo braço. – Aproveitaremos para falar dos detalhes do trabalho e também quero pedir a tua opinião sobre a nova empresa relacionada com as Índias Orientais. Suponho que terás ouvido falar da empresa Phelps.
Cliff estava prestes a responder afirmativamente, mas desembainhou o seu sabre ao ouvir que os soldados que estavam de guarda na porta principal davam gritos alarmantes.
– Para trás – disse a Woods.
O governador empalideceu e, apesar de tirar uma pe-quena pistola, obedeceu e apressou-se a recuar até ao extremo mais afastado da sala. Ao sair para o hall, Cliff ouviu que um dos soldados emitia um gemido de dor e o outro gritava:
– Não podem entrar!
A porta principal abriu-se de repente e uma jovem bela e esbelta, de cabelo louro, entrou como um ciclone, empunhando uma pistola.
– Onde está o governador? – perguntou, enquanto lhe apontava a arma.
Quando os olhos do verde mais vívido que alguma vez vira se encontraram com os seus, Cliff esqueceu-se de que tinha uma pistola apontada à testa. Ficou a olhar para ela, emudecido. Sauvage não era uma menina, mas uma jovem mulher... E muito bonita, na verdade. Tinha o rosto triangular, as maçãs do rosto salientes, um nariz pequeno e recto, e uma boca carnuda. No entanto, o que mais o chocou foram os seus olhos. Nunca vira outros tão enigmáticos, tão exóticos como os de um felino da selva.
Baixou o olhar pelo seu corpo. O cabelo ondulado chegava-lhe à cintura e a forma dos seus seios insinuava-se debaixo da camisa masculina folgada, que lhe chegava à altura da coxa. Usava calças e umas botas de rapaz, mas tinha pernas compridas e indubitavelmente femininas.
Apesar de só a ter visto ao longe, pareceu-lhe inaudito que a tivesse considerado uma criança.
– É um palerma? Onde está Woods? – perguntou ela, num tom alto.
Cliff respirou fundo e conseguiu esboçar um sorriso enquanto ia recuperando a compostura.
– Rogo-lhe que não aponte a pistola para mim, menina Carre. Está carregada? – perguntou, com calma.
Ela empalideceu ao reconhecê-lo.
– Warenne – engoliu com força e hesitou um instante. – Woods, tenho de ver Woods.
De modo que o conhecia e sabia que não era um homem com quem pudesse brincar. Tinha consciência de que qualquer outro já teria morrido, por se atrever a ameaçá-lo com uma arma? Ou era uma mulher muito valente, ou se tratava de uma imprudente muito desesperada.
Apesar de a situação não ser nada engraçada, Cliff intensificou o sorriso. Tinha de acabar com aquele momento tenso, antes de a jovem acabar ferida ou detida.
– Dê-me a pistola, menina Carre.
Ela abanou a cabeça e perguntou num tom firme:
– Onde está Woods?
Cliff suspirou e passou à acção de repente. Antes de ela conseguir reagir, agarrou-a pelo pulso e arrebatou-lhe a pistola.
Olhou para ele, assustada, e os olhos encheram-se de lágrimas de fúria.
– Maldito! – precipitou-se para ele e começou a esmurrar-lhe o peito.
Depois de dar a pistola a um dos soldados perturbados, Cliff voltou a agarrá-la pelos pulsos, com cuidado para não a magoar. A sua força surpreendeu-o. A sua beleza proporcionava-lhe uma aparência de falsa fragilidade, mas mesmo assim, não tinha nenhuma possibilidade contra ele.
– Pare, por favor. Vai magoar-se – pediu, com suavidade.
Ela estava a lutar para se soltar como uma gata selvagem, resmungava e tentava arranhar-lhe a cara.
– Pare – insistiu, cada vez mais incomodado. – Sou muito mais forte do que a menina.
Ela parou de repente e lutou para recuperar o fôlego, enquanto os seus olhares se encontravam. Cliff sentiu uma pontada de compaixão, porque apesar de ter cerca de dezoito anos, era óbvio que em muitos aspectos continuava a ser uma criança, devido à vida pouco ortodoxa que tivera. Nesse momento, apercebeu-se que, além de desespero, o seu olhar reflectia medo.
No dia seguinte, iam enforcar o pai e isso impulsionara-a a visitar o governador.
– Suponho que não tenciona assassinar o meu amigo Woods, pois não?
– Fá-lo-ia se pudesse, mas deixarei o seu assassinato para outro dia – declarou, com fúria. Começou a lutar novamente e acrescentou: – Vim para suplicar que tenha clemência com o meu pai.
Cliff sentiu que o coração se partia.
– Ficará quieta se a soltar? Posso conseguir uma audiência com ele.
Olhou para ele, esperançada, e assentiu, enquanto humedecia os lábios, acabando por dizer:
– Está bem.
Cliff hesitou um segundo, pois estava confuso devido às estranhas emoções que o embargavam. Apesar de não ser apropriado, questionou-se quantos anos teria a jovem. Não estava interessado nela, claro, pelo menos nesse sentido. Não podia estar, porque era demasiado jovem e era a filha de um pirata. A sua última amante fora uma princesa da casa de Habsburgo, que era considerada a maior beldade de todo o continente. A sua falecida mãe fora uma concubina exótica e bonita, que vivera escravizada no harém de um príncipe berbere. Chamava-se Rachel, era judia, recebera uma educação esmerada e era uma das mulheres mais inteligentes que alguma vez conhecera. Era muito selectivo no que dizia respeito às mulheres com quem ia para a cama, por-tanto, era impossível que se sentisse atraído por uma marota temerária, que empunhava uma pistola com a naturalidade com que outras mulheres usavam sombrinhas.
Ao perceber que estava a observá-lo com uma expressão inocente, sentiu uma desconfiança imediata.
– Vão dar-se bem – disse, com firmeza. Não se tratava de uma pergunta.
Quando ela se limitou a esboçar uma pequeno sorriso, sentiu-se alarmado. Questionou-se se teria uma arma escondida, pois talvez a tivesse sob a camisa volumosa. A ideia de a revistar incomodava-o, apesar de não se tratar de uma dama.
– Menina Carre, prometa que vai comportar-se com cortesia e respeito enquanto estiver em casa do governador.
Olhou para ele com perplexidade, como se não tivesse entendido uma palavra do que acabara de lhe dizer, mas assentiu.
Cliff tocou-lhe no braço com suavidade, para a conduzir para a sala, mas ao ver que ela dava um salto, afastou a mão.
– Podes sair por um momento, Thomas? Gostaria de te apresentar a menina Carre.
Woods aproximou-se da entrada da sala. Estava muito sério e ligeiramente corado.
– Uma mulher conseguiu dominar os meus guardas? – perguntou, com incredulidade.
Ao perceber que o amigo estava cada vez mais zangado, Cliff comentou:
– É lógico que esteja preocupada com o pai. Prometi-lhe que a ouvirias. Woods não se mostrou muito conciliador.
– Atacou os meus homens! Feriu-te, Robards?
O soldado britânico estava alerta e firme no hall e o seu colega permanecia junto da porta principal.
– Não, senhor. Peço desculpa por tão terrível intrusão, governador.
– Como pôde entrar sem o vosso consentimento? – perguntou Woods.
Robards ficou vermelho como um tomate.
– Não sei, senhor...
– Pedi para me ajudarem a encontrar o meu cachorro – disse Sauvage, num tom ligeiramente brincalhão. Balançou as ancas e deixou cair uma lágrima. – Estavam tão preocupados...!
Cliff olhou para ela, boquiaberto, e apercebeu-se de que se enganara ao julgá-la. Aquela mulher usara o seu considerável encanto feminino para ludibriar os soldados, portanto, não era tão inocente como parecia.
Woods olhou para ela com frieza e disse:
– Prendam-na.
Ela emitiu uma exclamação abafada e olhou para Cliff com uma expressão surpreendida, que se tornou acusadora quando os soldados se dirigiam para ela.
– Prometeu!
Ele interpôs-se no caminho dos soldados para impedir que a capturassem e disse num tom de voz suave, que continha uma ameaça:
– Não lhe toquem.
Os soldados pararam.
– Atacou os meus homens, Cliff! – protestou Woods.
Ela virou-se para o governador e gritou com fúria:
– E vai enforcar o meu pai!
Cliff agarrou-a pelo braço. Disse a si mesmo que era para segurá-la, no caso de ser necessário, mas tinha consciência de que sentia uma necessidade estranha de a proteger.
– Deves-me vários favores, Thomas. Ouve-a.
Woods olhou para ele com consternação.
– Bolas, Warenne. A que se deve a tua atitude?
– Ouve-a – disse ele, num tom ainda mais suave. Tratava-se de uma ordem.
Woods não se incomodou em disfarçar o desagrado que sentia, mas indicou a Sauvage, com um gesto, que o precedesse para a sala. Ela abanou a cabeça e semicerrou os olhos com desconfiança, antes de lhe dizer com frieza:
– O senhor primeiro. Não gosto de ter os meus inimigos atrás das costas.
Cliff gostou da sua audácia, mas continuava com medo de que tivesse uma arma escondida.
Woods suspirou de impaciência.
– Robards, espera aqui. Johns, regressa ao teu lugar, na porta principal – enquanto os soldados obedeciam, entrou na sala.
Sauvage fez menção de o seguir, mas Cliff vira-a a esboçar um sorriso e agarrou-a pelo braço.
– O que está a fazer?
Em voz muito baixa, para que Woods não ouvisse, murmurou:
– Está desarmada, não está?
– Claro que sim, pensa que sou tola?
Ela nem sequer pestanejou ao dizê-lo, não corou, nem tentou desviar o olhar, mas Cliff soube com certeza que estava a mentir. Agarrou-a com mais força e recusou-se a soltá-la quando tentou afastar-se.
– Rogo que me desculpe, menina Carre – disse, num tom tenso, enquanto sentia que corava.
Começou a passar a mão livre pela cintura dela, por cima da camisa. Esperava encontrar outra pistola, mas não conseguiu evitar pensar em como a sua cintura era estreita. Na verdade, certamente, conseguiria abrangê-la com ambas as mãos.
– Tire as garras de cima de mim – disse ela, com indignação.
Não fez caso e foi descendo a mão até à base das costas, enquanto tentava não pensar em descer ainda mais. Ela começou a resistir e exclamou:
– Pervertido!
– Fique quieta – resmungou, enquanto media o outro lado da cintura.
– Está contente? – estava corada, mas não parou de se retorcer.
– Está a dificultar as coisas – Cliff parou ao sentir alguma coisa sob a camisa, no lado esquerdo da cintura.
Quando ela tentou afastar-se, limitou-se a lançar-lhe um olhar firme e deslizou a mão por baixo da camisa, até tocar na lâmina da adaga que tinha atada junto das costelas.
– Maldito! – exclamou, enquanto continuava a lutar para se libertar.
Cliff fez menção de agarrar a adaga, mas ficou com falta de ar quando a parte inferior de um seio nu lhe encheu a mão.
Ambos ficaram imóveis.
– Canalha! – exclamou, antes de se libertar.
Cliff tentou conter uma súbita onda de desejo. Sob aquela camisa volumosa escondia-se um corpo sedutor, que pertencia a uma mulher. Pôs a adaga que lhe arrebatara no cinto e, ao fim de alguns segundos, recuperou a fala.
– Mentiu-me.
Lançou um olhar cheio de fúria e apressou-se a ir para a sala.
Cliff rezou para que não tivesse outra adaga escondida, já que era possível que a tivesse atada à anca ou à coxa. Não conseguia entender a sua própria reacção face àquele corpo tão magro em algumas zonas e tão excessivamente voluptuoso noutras. Estivera com centenas de mulheres bonitas. Quando o momento era apropriado ou queria fazê-lo, permitia-se desfrutar do desejo, mas não era um rapaz inexperiente e era mais do que capaz de controlar a luxúria. No entanto, apesar de não querer sentir atracção por Sauvage, o seu corpo traíra-o e era uma coisa que não lhe parecia ser muito engraçada.
Deixou a porta aberta ao entrar na sala e viu o governador sentado numa poltrona enorme. Parecia um rei, em vez de um homem cujo cargo fora atribuído pela realeza e deu à rapariga a permissão para falar, fazendo um gesto abrupto e bastante desdenhoso que não lhe agradou. Era óbvio que Woods estava decidido e não ia mudar de opinião, por muito que Sauvage dissesse ou fizesse.
Sentiu-se comovido ao ver que ela começava chorar, que lágrimas de medo e desespero começavam a cair por aquele rosto cativante e disse a Woods:
– Dá-lhe uma oportunidade, a sério.
– Isto é uma perda de tempo! – protestou o governador, claramente zangado.
– Por favor – disse ela. Era um sussurro suave e fe-minino, uma súplica.
Quando entrelaçou as mãos à frente do peito, como se estivesse a entoar uma prece, a camisa larga ficou tensa sobre o seu corpo e revelou a forma dos seus seios, que eram surpreendentemente duros. A imagem distraiu-os imediatamente. Aparentemente, Woods também não era imune ao seu encanto.
– Meu senhor, o meu pai é tudo o que tenho. É um bom homem e um bom pai. Não é um pirata a sério, mas um simples agricultor. Pode ir verificá-lo a Belle Mer, tivemos a melhor colheita este ano.
– Ambos sabemos que cometeu numerosos actos de pirataria – respondeu Woods, com firmeza.
Ela continuou a chorar e ajoelhou-se. Cliff ficou tenso ao ver que o seu rosto ficava mesmo à frente do sexo de Woods e questionou-se se tinha consciência de como aquela posição era provocadora.
– Engana-se, meu senhor! O meu pai nunca foi um pirata, o júri enganou-se! Foi um corsário, que trabalhou para Inglaterra a perseguir piratas, tal como o capitão Warenne. Se lhe perdoarem, nunca mais voltará a navegar.
– Menina Carre, rogo-lhe que se levante. Ambos sabemos que o vosso pai não se parece em nada com lorde Warenne.
Ela permaneceu onde estava e começaram a tremer-lhe os lábios. Estava tão provocadora, que teria sido impossível permanecer indiferente, mesmo que estivesse de pé. Estava de joelhos, como se fosse uma rameira pronta para servir um cliente e Woods tinha o olhar fixo na sua boca carnuda e sedutora. Estava visivelmente tenso e os seus olhos escuros pareciam quase pretos.
Cliff não gostou nada do que estava a acontecer.
– Não posso perdê-lo – sussurrou ela, num tom de voz rouco. – Respeitará a lei como um santo se o perdoar e eu... – parou por um momento e humedeceu os lábios. – Eu estarei agradecida, meu senhor. Eternamente agradecida e acederei a fazer... O que me pedir.
Woods esbugalhou os olhos, mas permaneceu imóvel.
Ao perceber que estava disposta a prostituir-se pelo pai, Cliff agarrou-a pelo braço, obrigou-a a levantar-se e disse com firmeza:
– Já chega.
Ela fulminou-o com o olhar.
– Porque se mete onde não é chamado? Deixe-me em paz, estou a falar com o governador! Vá ocupar-se dos seus assuntos!
– O que quer é oferecer-se – declarou, furioso, antes de lhe dar um ligeiro puxão. – Fique quieta – virou-se para Woods e disse: – Thomas, porque não perdoas Carre? Se a filha for sincera, não voltará à pirataria e, se voltar a fazê-lo, eu próprio me ocuparei de o capturar.
Woods levantou-se a pouco e pouco. Lançou-lhe um breve olhar, mas a sua atenção continuava concentrada em Sauvage, que estava trémula apesar de permanecer erguida e desafiante.
– Vou considerar a sua proposta, menina Carre.
Tanto Cliff como ela olharam para ele, surpreendidos.
– Fala a sério? – perguntou a rapariga.
– Tenciono passar toda a noite a fazê-lo – o governador parou, para deixar que assimilassem a mensagem.
Cliff entendeu na perfeição o que queria dizer e enfureceu-se ainda mais. Sauvage não era tão experiente como eles, portanto, demorou alguns segundos a entendê-lo, mas quando captou o sentido duplo daquelas palavras, ergueu-se ainda mais, apesar de não conseguir evitar corar
– Posso esperar aqui até tomar uma decisão?
– É claro – respondeu Woods, com um sorriso.
Cliff interpôs-se entre eles e disse ao governador, num tom tenso:
– Não consigo acreditar que te tenha considerado um amigo.
Woods arqueou as sobrancelhas e comentou divertido:
– De certeza que também aproveitarias uma oportunidade assim. Estás a defender a sua virtude?
Sim, aparentemente, era isso que estava a fazer.
– Devo supor que a tua esposa ainda está em Londres?
– Na verdade, neste momento está em França – respondeu o governador, imperturbável. – Vá lá, Cliff, acalma-te. Será melhor irmos jantar, enquanto a menina Carre permanece aqui, à espera da minha decisão.
– Lamento, mas perdi o apetite – Cliff virou-se para Sauvage e disse: – Vá-se embora.
Parecia ser muito jovem, mas também inflexível e decidida. Dava a impressão de que tinham acabado de a condenar à morte, mas abanou a cabeça e respondeu:
– Eu fico – os seus olhos encheram-se novamente de lágrimas. – Vá-se embora, Warenne. Deixe-me em paz.
Cliff debateu-se. Porque se importava com o que acontecera? Apesar de parecer jovem, era impossível que fosse inocente, com a vida que tivera. Além disso, ele não era o seu protector.
– Ouviste a... Dama – disse Woods, com suavidade. – Não vai sofrer nenhum mal, Cliff. Na verdade, talvez desfrute.
Cegou-o a fúria mais selvagem que experimentara em toda a sua vida e a sua mente encheu-se de imagens. Woods a abraçar Sauvage, a possuir aquele corpo esbelto e voluptuoso. Lutou para respirar e, quando foi capaz de falar, olhou para o governador e disse:
– Não o faças.
– Porquê? É uma beleza, embora o seu cheiro seja um pouco desagradável.
Cheirava a mar e Cliff não o achava nada desagradável.
– Espera que poupes a vida do pai.
– És o seu protector? – perguntou Woods, num tom brincalhão.
– Não sou o protector de ninguém – respondeu, com secura.
– Parem de falar de mim como se não estivesse aqui – disse ela.
Cliff virou-se para olhar para ela
– Venha comigo, não tem necessidade de chegar a este extremo.
Ficou a olhar para ele durante vários segundos, muito pálida e, por fim, disse:
– Tenho de libertar o meu pai.
– Então, exija um contrato assinado. Os seus serviços, em troca do perdão.
– Não sei ler.
Cliff emitiu um som gutural e olhou para o governador.
– Serás capaz de suportar o peso da culpa depois?
– Pelo amor de Deus, é apenas a filha de um pirata.
Cliff virou-se para olhar para ela novamente, mas ela cruzou os braços e desviou o olhar. Estava furioso com ela, com Woods e até consigo próprio. Saiu dali a correr e deixou-os sozinhos com aquele assunto complicado.
O céu começara a toldar-se e levantara-se uma brisa de quase vinte nós. Spanish Town ficava a dezanove quilómetros da costa, mas apesar de não ter chegado pelo rio, mas de carruagem, sabia que havia um bom fluxo e que era um dia óptimo para navegar. Na verdade, naquele momento, desejou com todas as suas forças enfrentar uma corrida ao vento, navegar a toda a velocidade.
Sentia uma dor nas têmporas. Porque queria fugir? Esfregou a testa enquanto a tensão aumentava. Sauvage não lhe dizia respeito, mas estava claro que era muito ingénua em certos aspectos e que não entendera a situação. Achava que ia comprar a liberdade do pai com o seu corpo, mas Woods ia usá-la e depois enforcaria Carre na mesma.
A Jamaica era o seu lar e, apesar de só passar vários meses por ano lá, era um dos habitantes mais influentes e eram muito poucas as coisas que aconteciam na ilha sem o seu consentimento. Se estivesse presente durante a captura de Carre, ter-se-ia encarregado de que não fosse julgado, mas o julgamento acontecera e a notícia não só se publicara no Jamaican Royal Times, como também se difundira pela maioria das outras ilhas. Até os jornais norte-americanos tinham dado informação sobre a captura do pirata. Era demasiado tarde para parar a execução.
Woods era um governador forte. Houvera melhores, mas também piores. Ele apoiava a sua nova política de tentar acabar com os malfeitores cubanos e, acontecesse o que acontecesse, devia manter uma relação cordial com ele, porque tinham muitos interesses comuns.
«Meu senhor, o meu pai é tudo o que tenho. É um bom homem e um bom pai...»
Não ia poder salvar o pai e muito menos na cama de Woods. Virou-se de repente e ficou a olhar para a imponente porta principal da residência do governador. Bolas, tinha de fazer alguma coisa.
Regressou e disse aos soldados:
– Receio que tenha de voltar a falar com o governador.
– Lamento, capitão, mas ordenou que ninguém o incomodasse durante o resto da tarde – respondeu Robards.
Cliff olhou para ele com incredulidade, mas recuperou imediatamente.
– Isto não pode esperar – de forma inconsciente, usou um tom de voz suave que continha um aviso claro.
O jovem soldado corou e começou por dizer:
– Lamento, senhor...
Cliff levou a mão ao punho do seu sabre e lançou um olhar ao soldado, antes de passar junto dele. O silêncio que reinava na casa envolveu-o assim que abriu a porta principal e soube que estavam juntos. O seu coração acelerou. Sabia que os quartos principais, entre os quais se encontrava a suíte privada do governador, eram no primeiro andar. Como Woods optara por não conceder a Sauvage uma pausa naquela tarde, era pouco provável que estivessem num dos quartos de hóspedes. De certeza que a levara para o seu próprio quarto.
– Por favor, senhor...! – exclamou Robards, da entrada.
Cliff olhou para ele com um sorriso carente de humor e fechou-lhe a porta na cara, antes de a trancar. Avançou com decisão pelo corredor, enquanto o invadia a calma que costumava sentir mesmo antes de começar uma batalha. Saboreou aquela sensação, a serenidade, mesmo antes da explosão.
O silêncio que reinava na casa era quase ensurdecedor. Enquanto andava, não conseguiu evitar imaginá-los nus, suados, com os corpos entrelaçados e Woods enlouquecido de desejo, e a sua fúria aumentou.
Nunca estivera nos aposentos privados do governador, mas como a casa fora construída há cerca de cinquenta anos, deduziu que a suíte era na ala oeste, tal como em muitas outras construções georgianas.
Foi abrindo as quatro portas que encontrou pelo caminho, mas em todos os casos encontrou quartos de hóspedes vazios. Quando chegou à porta do fim do corredor, ouviu uma suave gargalhada masculina e sentiu que lhe fervia o sangue. Abriu a porta sem pensar duas vezes e viu-os imediatamente.
Woods estava de pé no meio do quarto, à frente de uma enorme cama com dossel. Tirara o casaco, o colete e a camisa, e o seu peito musculado estava nu. Tinha as calças abertas e o membro viril a descoberto.
Ela estava junto da cama, coberta com um robe masculino de seda azul. A roupa estava aberta e deixava a descoberto as suas coxas douradas, a sua barriga suave e os seios opulentos. O seu olhar reflectia desolação, mas também uma determinação firme. Era óbvio que não estava disposta a desistir.
Cliff rogou para que não fosse demasiado tarde e dirigiu-se a Woods.
O governador estava tão concentrado na sua vítima, que só reparou na sua presença quando viu chegar o punho. Emitiu uma exclamação, mas o golpe demolidor atirou-o de costas contra a parede. Deslizou para o chão e ficou ali encolhido, como se estivesse inconsciente.
Cliff aproximou-se, agarrou-o pelo cabelo e deitou-lhe a cabeça para trás. Quando Woods olhou para ele com uma expressão atordoada, disse com fúria:
– Os teus conhecidos adorariam descobrir uma intriga assim, não é? – a ameaça foi impulsiva, mas ideal. O governador devia conservar a sua reputação e a esposa indignar-se-ia se descobrisse o seu comportamento escandaloso.
– Mas...! Somos amigos! – exclamou Woods.
– Já não – Cliff conteve com muita dificuldade a vontade de lhe dar outro murro.
Ao ouvi-la emitiu uma exclamação abafada, virou-se de repente e apressou-se a aproximar-se dela. Baixara-se até ficar de gatas e estava a lutar para manter a compostura. Ajoelhou-se junto dela, terrivelmente consciente de que estava meio nua e que o mais provável era que Woods já a tivesse usado da forma mais desprezível e menos respeitosa possível.
Quando ela levantou o olhar, viu nos seus enormes olhos verdes de gata uma mistura de dor e súplica. Desejou estar errado e que, na verdade, não tivesse acontecido o que receava.
– Vou tirá-la daqui – disse, com suavidade.
Ficou atónito quando ela abanou a cabeça.
– Deixe-me... Em paz – sussurrou, num tom emocionado.
Teve vontade de matar o homem que noutros tempos fora seu amigo. Segurou no rosto dela e disse:
– Ouça o que digo! Independentemente do que fizer, por muitas vezes que o repita, ele não vai perdoar o seu pai. Está claro?
– É a única possibilidade que tenho de o salvar!
Ao perceber que tinha a boca magoada, pegou nela ao colo e surpreendeu-o que se agarrasse a ele. A necessidade que sentia de a proteger era inegável, mas estava mais do que consciente de que o robe continuava aberto e que tinha os seios apertados contra o seu peito. Além disso, vislumbrara o tesouro que se escondia entre as suas pernas.
– Nunca teve possibilidade alguma – disse, num tom rouco, enquanto a tirava do quarto.
Parou ao sair para o corredor, já que, de repente, se apercebeu que os soldados continuavam na porta principal e que acabara de atacar o governador real. Não tinha outro remédio senão sair o mais depressa possível por alguma janela e, ao longo dos dias seguintes, ia ter de lidar com algumas manobras políticas. Embora Woods tivesse deixado de ser amigo dele, tinham de trabalhar juntos se quisesse continuar a ser um cidadão influente na ilha.
Baixou o olhar ao reparar que ela ficara muito quieta e, naquele momento, ela levantou o olhar. Continuava agarrada ao seu pescoço e estava cada vez mais corada.
Baixou o olhar até aos seus bonitos seios e deslizou-o pelo seu peito delicadamente delineado, pelo pequeno umbigo e pelo delta cor de champanhe que havia um pouco mais abaixo. Como, para além de corsário, era um cavalheiro, apressou-se a levantar o olhar até aos seus olhos, enquanto sentia que corava e, com uma mão, conseguiu fechar-lhe torpemente o robe.
– Magoou-a muito? – perguntou, num tom rouco.
– Importa-se de me pôr no chão?
Cliff obedeceu imediatamente e ela sorriu antes de lhe dar um forte pontapé na tíbia, seguido de um empurrão. Tentou apanhá-la quando começou a correr, mas era ágil e rápida e, além disso, estava decidida. Conseguiu evitá-lo e afastou-se a correr pelo corredor, com o robe a ondear como uma bandeira atrás do seu corpo nu. Seguiu-a a passo mais lento, enquanto no seu interior se formavam redemoinhos de um sem-fim de emoções contraditórias. Esteve prestes a desejar não se ter envolvido naquele assunto, já que intuía que aquilo era apenas o princípio. Chegou à porta e não viu ninguém.
Sauvage desaparecera.
Amanda saiu por uma porta dupla e atravessou um terraço a correr. A residência do governador abrangia quase uma rua inteira e tinha dois pátios centrais. Depois de descer uns degraus brancos de pedra, entrou numa zona ajardinada, onde tropeçou e caiu de joelhos. Começou a sentir vómitos, mas como estava há dias sem comer, por causa do medo que sentia pelo pai, não vomitou nada. Ao fim de alguns minutos, deitou-se sobre a relva e deu-se ao luxo de chorar.
O terror avassalou-a. Iam enforcar o pai no dia seguinte. Ir visitar o governador para lhe suplicar que o perdoasse fora a última via de salvação que restava e apesar de, ao princípio, não ter intenção de lhe oferecer o seu corpo, soubera de forma instintiva o que tinha de fazer ao ver que olhava para ela tal como os marinheiros e os vagabundos da cidade. Quantas vezes vira alguma mulher a seduzir o pai para conseguir uma bagatela ou um pouco de seda? Uma mulher só tinha uma forma de conseguir coisas de um homem e ela sabia do que se tratava. Fora criada entre marinheiros e ladrões, e as únicas mulheres que conhecia bem eram rameiras. Crescera num mundo baseado na violência e no sexo.
Mas não entregara o seu corpo a Woods, porque Cliff de Warenne a impedira.
Respirou fundo e sentiu um aperto no coração, enquanto se perguntava o que o impulsionara a intervir. Era o corsário mais famoso da época e tão rico e poderoso como um rei. Ninguém podia comparar-se a ele dentro de um barco, nem sequer o pai.
Levantou os joelhos contra o peito e foi incapaz de controlar o rumo que os seus pensamentos queriam seguir. O comportamento desinteressado daquele homem deixara-a pasmada. Porque interviera? Todas as pessoas que conhecera até ao momento agiam com sensatez e egoísmo, já que era necessário para sobreviver. Os desconhecidos não se ajudavam, porque haviam de o fazer? O mundo era demasiado perigoso para tentar dar uma ajuda aos outros e não entendia porque aquele homem a salvara do governador.
O seu coração recusava-se a recuperar o ritmo normal. Engoliu em seco ao recordar que olhara para ela com mais ousadia do que os marinheiros e o seu coração acelerou ainda mais, apesar de estar tão desesperada. A sua própria reacção perturbara-a e, ao levar as mãos às faces, apercebeu-se de como estavam quentes. Warenne observara-a com interesse quando estava meio nua, mas também o fizera ao vê-la entrar em casa do governador, quando ainda estava vestida. Não se recordava de ninguém, quer fosse homem ou mulher, que tivesse olhado para ela de forma tão intensa e penetrante. Era um olhar que nunca esqueceria e que gostaria de poder entender.
Sabia quem era, é claro. Quem não saberia? Constituía uma imagem imponente quando estava no que, aparentemente, era o seu barco preferido, uma fragata de trinta e oito canhões, que se chamava Fair Lady. Era um homem alto e corpulento, com cabelo castanho, e era impossível ignorá-lo. Além disso, todos sabiam que capturara quarenta e dois piratas ao longo dos dez anos que passara como corsário. Ninguém conseguira superar o seu recorde nas Índias Ocidentais.
Continuava a ter o coração acelerado, sentia-se inquieta e confusa. Não entendia porque um homem assim a ajudara. Era muito mais do que um simples corsário. Ouvira as damas finórias da cidade a comentar entre risinhos que era mais pirata do que cavalheiro, mas estavam muito enganadas. Os piratas eram homens com mau hálito, com falta de dentes e que mal se lavavam. Não davam tréguas na batalha e espalhavam sangue e vísceras por todo o lado, embora fossem os melhores amigos que alguém podia encontrar quando juravam lealdade. Os piratas vestiam roupa suja que nunca lavavam e usavam as rameiras mais nauseabundas.
Warenne cheirava a uma mistura de mar, especiarias das costas do Oriente e manga da ilha. Apesar de ter um brinco de ouro, tal como muitos piratas, e umas esporas de ouro e rubis, a sua roupa era impoluta. Todos sabiam que a mãe de um dos seus filhos ilegítimos era uma princesa real e, embora tivesse fama de mulherengo, as suas amantes não eram rameiras, mas exactamente o contrário. Era compreensível, já que era filho de um conde, por isso, fazia parte da realeza.
Exceptuando o pai, ela nunca sentira admiração por nenhum homem, mas tinha de admitir que Warenne era incrivelmente atraente.
Sentiu que corava ao recordar com demasiada clareza o que sentira quando pegara nela ao colo no quarto do governador. Não entendia porque estava a pensar naquilo, porque perdia tempo a pensar naquele homem. Tinha de libertar o pai antes de o enforcarem.
Apercebeu-se de que ficara sem opções. Não conseguia ajudá-lo a escapar da prisão e não podia fazer com que Woods o libertasse em troca de sexo. Que outra coisa podia fazer?
Susteve a respiração e tentou recordar o que Warenne lhe dissera.
«Porque não perdoas Carre? Se a sua filha for sincera, não voltará à pirataria e, se voltar a fazê-lo, eu próprio me ocuparei de o capturar.»
Levantou-se de repente. Aquele homem podia aju dá-la, tinha de a ajudar!
Windsong abatia-se sobre o porto de Kingston. Era uma mansão sóbria de pedra branca, que Cliff começara a construir há cinco anos e ficara acabada no ano anterior. Nas traseiras, havia vários terraços com corrimão que se erguiam sobre o porto e, na parte da frente, uma escada dupla subia até um enorme pátio, onde se destacava a entrada principal de mármore branco. Em ambos os lados da casa havia pavilhões idênticos e a construção principal constava de três andares. Do parapeito norte via-se King Street, mas Cliff preferia ir para o terraço sul para observar os barcos, enquanto saboreava um copo do seu melhor uísque irlandês.
Naquele momento, estava lá e já pedira ao mordomo para lhe servir um copo. No entanto, não estava a olhar para o mar, mas para Port Royal, onde se levantava Fort Charles. Levantou a luneta e concentrou-a num dos barcos ancorados. O Amanda C tinha as velas rasgadas, os mastros partidos e buracos de canhão na coberta. Era um veleiro de nove canhões, que noutros tempos conseguira ganhar em velocidade à maior parte dos barcos da armada, mas que ficara irrecuperável. Não tinha a bandeira pirata com a caveira e os ossos, mas a britânica tricolor.
Baixou a luneta. Não queria pensar no que o destino proporcionaria a Carre e à filha. O tipo estava em Spanish Town, à espera de ser executado no dia seguinte, mas gostaria de saber onde estava Sauvage. A jovem desaparecera como se fosse um fantasma.
Recordava com clareza o contacto do seu corpo firme, mas suave, embora desejasse esquecê-lo.
– Papá! Papá!
Virou-se com um sorriso enorme ao ouvir a voz da filha e Sauvage desapareceu da sua mente. Ariella tinha seis anos, uns olhos azuis enormes e brilhantes, a pele num lindo tom oliváceo e um cabelo surpreendentemente dourado. Era bonita, exótica e, com frequência, maravilhava-o o facto de aquela menina tão especial ser dele.
– Anda cá, querida.
Ela já estava a atravessar o terraço a correr e precipitou-se para os seus braços. Depois de a levantar bem alto, dando uma gargalhada, abraçou-a com força. Pa-recia uma princesinha inglesa. Usava um vestido da melhor seda e tinha um colar de pérolas.
Quando a pôs no chão, perguntou-lhe com a carinha muito séria:
– Papá, foste navegar hoje? Prometeste que iria contigo quando voltasses a fazê-lo.
Cliff não conseguiu conter um sorriso, pois sabia que a filha não gostava de navegar, apesar de se esforçar para disfarçar.
– Não me esqueci do que prometi, querida. Não saí para navegar, tinha de me ocupar de alguns assuntos em Spanish Town.
– Bons assuntos?
– Na verdade, não – Cliff começou a brincar com uma madeixa do seu cabelo loiro. – Foi um bom dia para navegar, quantos nós temos?
Ela hesitou e mordeu o lábio inferior.
– Dez?
Ele sabia que o dissera à sorte, mas comentou:
– Oito, querida. Quase acertaste.
– Tenho de acertar qual é a força do vento para poder navegar contigo?
– Não, o teu irmão já se encarrega disso. Além disso, não está certo querer fazer de ti uma marinheira.
Ao contrário do irmão, Ariella não mostrava nenhum entusiasmo pelo mar, embora o tolerasse para poder passar tempo com ele. Cliff não se sentia muito decepcionado, pois a filha tinha a mente mais desperta e curiosa que alguma vez vira. Na verdade, podia passar o dia inteiro com o nariz num livro e não sabia se devia sentir-se orgulhoso ou preocupado.
– Em breve, poderás viajar por todo o mundo comigo, querida.
– Mas só eu, sem Alexi. Não quero que ele venha connosco.
Cliff achou graça à sua atitude ciumenta.
– Claro que irá, é o teu irmão. É um marinheiro nato, portanto, ajudará a zarpar e encarregar-se-á da navegação.
– Aprendi de cor as quatro constelações que me ensinaste, papá – disse ela, com um sorriso. – Hoje será uma boa noite para ver as estrelas, posso mostrar-te depois o que aprendi?
– Claro que sim.