primeamor02.jpg

 

Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Gail Ellen Barrett

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Um lugar no paraíso, n.º 2 - fevereiro 2018

Título original: Where He Belongs

Publicada originalmente por Silhouette® Books.

Este título foi publicado originalmente em português em 2007

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Dreamstime.com

 

I.S.B.N.: 978-84-9170-970-1

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Wade Winslow só tinha uma coisa em mente enquanto descia com a sua Harley pela rua principal de Millstown, no estado de Maryland: sair o quanto antes dali. Aquela era a cidade onde crescera e ali conheciam-no como o Indesejável Winslow. Não importava quantos anos passassem, porque a má reputação durava tanto como os antigos edifícios do centro da cidade e ali até os velhos carvalhos faziam caretas à sua passagem com os seus ramos torcidos a apontá-lo e a prendê-lo no passado.

Lutara contra o desejo de sair dali a correr, mas tinha de estar com Norm. Esse fora o objectivo que perseguira durante os últimos dois dias, desde que saíra de Miami ao saber que o cancro se apoderara do homem que o tratara como um filho. Estava a morrer. Raios! Será que nenhuma das pessoas que amava conseguia sobreviver?

Com uma sensação angustiante no estômago, virou no Stone Mill Café e entrou no beco do cinema, que agora estava fechado, com um rugido do motor semelhante à frustração que albergava no seu coração.

Dantes, Norm costumava viver fora da cidade, numa quinta com uns quantos hectares de terra rochosa, nas encostas dos Montes Apalaches. Aquele lugar fora perfeito para ensinar um rapaz rebelde a sobreviver no mundo. Mas Norm vendera a quinta quando Rose morrera e Wade partira, e tantos anos como fumador tinham acabado por o afectar.

A Harley parou ao fim da rua, em frente ao duplex que Norm chamava «lar».

Wade estacionou junto a uma fila de carros, saiu da mota, tirou o capacete e pendurou-o na mota. Depois, espreguiçou-se, pois doía-lhe o corpo todo, passou os dedos pelo cabelo para se pentear e pôs a t-shirt por dentro do casaco de cabedal. Doente ou não, Norm não tolerava as faltas de respeito e Wade devia-lhe demasiado para o enfrentar.

 

 

E agora, ia perdê-lo.

Com os nervos à flor da pele, dirigiu-se até à porta e entrou directamente na cozinha, que cheirava a café e estava cheia de vizinhos: Jack Fleagle, proprietário do cinema até este fechar, a senhora Cline, empregada dos correios até se reformar no ano passado, e Battle-Ax Bester, uma mulher que mais parecia um defesa de rugby, com um penteado estranho em forma de colmeia. Raios, como se não tivesse já o suficiente!

Ao vê-lo, ela apertou os lábios.

– Que atrevimento o teu apareceres aqui!

Raios! Já se tinham passado anos desde a altura do liceu e ainda o tratava como se tivesse matado um homem e acabado na prisão, como o seu pai. Era normal que detestasse aquela cidade.

– Wade, vieste! – o irmão mais novo de Norm, Max, de cerca de cinquenta anos, deu um passo em frente ao vê-lo e apertou-lhe a mão.

Wade olhou-o nos olhos e viu tensão reflectida neles. Sentiu um aperto no estômago.

– Não há…

– Não – disse Max, dando-lhe uma palmada no ombro. – Vem comigo. Agora está com a enfermeira, mas perguntou por ti.

Wade abriu passagem por entre as pessoas através da sala e foi até ao quarto de Norm. Uma vez lá, bateu com os nós dos dedos e empurrou a porta.

– Norm?

Uma mulher que não conhecia virou-se para ele.

– Desculpe, mas o senhor Decker precisa…

– Wade… – sussurrou Norm. – Vieste…

Wade sentiu uma pontada de dor no coração; a enfermeira afastou-se da cama e ele obrigou-se a continuar a respirar. Meu Deus, aquele era Norm? Estava pálido e combalido.

O que lhe acontecera? Na Primavera anterior, passara por ali quando ia a caminho de Montana e Norm estava bem.

– Só pode ficar um minuto – avisou-o a enfermeira. – Acabou de tomar os medicamentos. Se precisar de alguma coisa, estarei na cozinha.

– Vá com o senhor Decker – brincou ele, tentando disfarçar o que sentira. Pegou numa cadeira e sentou-se ao lado da cama. – Que mordomias, agora que vives na cidade. Se soubesse que te tinhas tornado tão formal, teria vestido um fato.

– Ouvi a mota. Sabia que virias.

Claro que viria. Pusera-se a caminho de imediato e só parara algumas horas para dormir na fronteira da Carolina do Norte.

– Onde…?

– Florida. Encontrei uma praia linda. Não imaginas as raparigas que há lá.

– Não estavas na… Califórnia?

Ainda nervoso, tentou manter um tom desenvolto.

– Não. Fui para San Diego quando acabou a temporada de incêndios, mas não aguentava tanto trânsito, portanto fui para a Florida. Tinha pensado ir para as Bahamas durante algum tempo – e esperar que o seu joelho se curasse para não perder o seu emprego de guarda-florestal. Esticou a perna dorida.

– Dói?

Wade fez uma careta. O cancro minara o corpo de Norm, mas não a sua mente.

– Magoei-me no último salto. Ao saltar de pára-quedas, uma rajada de ar apanhou-me de surpresa e fiz uma má aterragem. Nada sério. Tive de atravessar a montanha toda a pé quando acabámos de extinguir o incêndio, portanto não me faria mal descansar.

Wade pertencia a um corpo de bombeiros especializado em incêndios florestais e só trabalhava durante a temporada de incêndios. O seu grupo chegava até ao incêndio de avião que depois os deixava saltar de pára-quedas. Embora implicasse um grande risco, ele gostava do seu trabalho.

Norm fechou os olhos.

– Millstown é um bom sítio.

– Fica – fez uma careta e gemeu.

– O que se passa? – perguntou Wade, alarmado. – Queres que chame a enfermeira?

– Não – Norm abriu os olhos frágeis. – Maldita morfina…

Wade levantou a vista e viu uma bomba de morfina junto ao saco de soro. Junto à cama havia uma garrafa de oxigénio e uma cadeira de rodas no canto do quarto. Tudo aquilo tinha a função de suavizar a situação de Norm. Tentou falar mas as palavras não lhe saíram. Engoliu em seco.

Norm mexeu os lábios e ele aproximou-se para o ouvir melhor.

– Fica …

– É o que tenciono fazer.

Norm não estava a pedir-lhe para viver em Millstown; sabia muito bem que Wade não podia ficar ali. Só queria que estivesse ali quando ele morresse. Quando morresse… Meu Deus…

– O que queres de mim? Queres que te faça o jantar do dia de Acção de Graças? Raios, Norm! A seguir vais pedir-me para te polir as pratas – como quando Rose era viva. Sentiu pânico.

– Aqui não. Promete-me, Wade.

Ia perder Norm. Meu Deus, não… Norm também…

– Wade…

Começou a sentir que uma gota de suor lhe corria pela testa. Não conseguia suportar aquilo, não conseguia suportar que Norm morresse, ficar em Millstown. Mas não podia partir, não podia deixar Norm.

– Estarei aqui – enquanto precisasse dele.

– Aqui não – repetiu Norm.

– Como aqui não?

– Aluga… um quarto.

Alugar um quarto? Franziu o sobrolho. O que estava a dizer?

– Não vou deixar-te, Norm – o seu coração disparou ao pensar nisso. – Dormirei no sofá, como sempre.

– Não! – disse Norm, com voz aguda. – A enfermeira está aqui. Max. Preciso que fiques… Mills Ferry…

Mills Ferry? A velha mansão dos subúrbios? Porque haveria de ficar lá? Porque queria Norm que ficasse lá? A não ser que…

– O que sou agora para ti? – perguntou ele, ficando tenso, de repente. – Uma companhia? Já não sou bem recebido?

– Não, Wade – Norm tirou uma mão trémula de debaixo do lençol e agarrou-lhe no pulso. – O meu filho, sempre o meu filho… Precisa de ajuda… Por favor… – a sua voz apagou-se.

Wade sentiu medo.

– Mas…

– Promete-me, promete-me – a mão de Norm deslizou do seu pulso.

Wade faria tudo por ele, independentemente de como o seu pedido fosse estranho.

– Está bem, ficarei lá.

– Ainda bem – e Norm fechou os olhos.

– Norm? Norm?

– Desculpe – disse a enfermeira atrás dele. – O senhor Decker precisa de descansar.

Norm não morrera. Wade suspirou de alívio. Só estava a dormir, graças a Deus! Mas quanto tempo duraria?

Levantou-se, embora lhe tremessem as pernas. Norm sempre lhe parecera uma pessoa invencível; grande, forte, com uns braços poderosos e mãos calosas do trabalho. Era um homem calado que o ensinara a seguir as pistas dos animais no campo, a arranjar a carrinha quando tinha problemas e o que fazer quando as raparigas começavam a telefonar lá para casa.

Homem paciente e tranquilo, Wade só o vira perder a calma uma vez, quando Wade tentara enganar Rose. Nunca mais voltara a fazê-lo.

E agora, aquele homem forte estava no seu leito da morte.

– Desculpe.

Com uma profunda dor no peito, retirou-se para os pés da cama. Sentiu que os olhos lhe ardiam ao ver como a enfermeira colocava a máscara de oxigénio a Norm e lhe compunha as almofadas.

De repente, não aguentou mais. Precisava de espaço, de ar. Saiu a passos largos do quarto e foi para a cozinha.

– Wade, Wade.

Ele abriu a porta com um empurrão e saiu para a rua. Maldito cancro! Tirou o capacete da mota e colocou-o. Como podia a doença avançar tão depressa? E porque não lhe telefonara Max antes? Calçou as luvas de cabedal.

– Wade, espera.

Mas montou-se na Harley e fulminou Max, que o seguira até à rua, com o olhar.

– Porque não me disseram que tinha tido uma recaída? – perguntou. – Tenho dinheiro, podia tê-lo levado a Baltimore a um especialista, em vez de ele estar aqui.

– Ele andou num especialista. No Hospital John Hopkins. Durante mais de um ano.

– E não me contaram isso?

– Eu queria fazê-lo. Todos nós queríamos, mas Norm convenceu-nos a esperar.

– Estou a ver – então compreendeu claramente. Toda a gente na cidade sabia que Norm estava a morrer, mas ninguém se incomodara em dizer-lhe nada.

– Pensámos que, bom, com tudo o que tu passaste… – explicou Max. – Não queríamos que te preocupasses.

– Muito bem – baixou a viseira do capacete e rodou a chave na ignição, ligando o motor com um rugido. Não lhe tinham contado porque ele não fazia parte da família, porque ele não pertencia àquele lugar. Nunca pertencera nem nunca pertenceria.

Porque em Millstown nada mudara. Colocou a mudança e arrancou dali a toda a velocidade.

 

 

O vento frio chegava do rio Potomac, atravessando os bosques até Mills Ferry, e fazia vibrar as velhas janelas da mansão. Erin McCuen, apoiada a uma das vidraças, tremeu. Não podia adiar. Tinha de ligar o aquecimento antes que a sua avó ficasse doente.

Sentiu que entrava em desespero, mas tentou manter-se firme. Não podia perder a calma, por mais que estivesse endividada. De algum modo, pagaria as contas.

– Foste ao banco? – perguntou a sua avó, sentada numa cadeira ao seu lado.

– Sim, avó – suspirou. – Está tudo bem.

– … roubam-me o dinheiro. Acham que não me dou conta.

– Não te preocupes. A conta corrente está exactamente como a deixaste – vazia e, aparentemente, assim continuaria. Naquele momento, um passarinho vermelho com uma pequena crista pousou numa manjedoura junto à janela. – Olha, um cardeal! Não conseguem resistir às sementes de girassol que lhes deixei.

Ajudou a sua avó a segurar nos binóculos para o ver melhor. Ainda bem que os cardeais não migravam para o sul no Inverno. A sua avó perdera muitas coisas no acidente de carro, entre elas, parte da sua capacidade de falar, de se mexer, a memória recente e a capacidade de fazer as suas adoradas colchas de patchwork. Observar as aves era o único prazer que lhe restava.

E Erin certificar-se-ia de que a sua avó continuaria a ver os pássaros desde a segurança do seu lar até ao dia da sua morte, por muito mal que estivesse a sua situação financeira.

Tentou afastar a sensação de ansiedade e pôs os binóculos de lado para pegar numa colcha desbotada e tapar os ombros da sua avó. Desde o acidente, as contas tinham-se multiplicado. O seguro cobrira a maior parte, felizmente, mas ela tinha de se encarregar do resto. E enquanto se preocupava com a electricidade, o aquecimento, os seguros médicos e os hospitais, a sua mansão antiga caía aos pedaços. Nem sequer podia pensar em começar a poupar a quantia necessária para começar as obras.

Por isso, começara a dar aulas particulares depois de dar aulas no liceu durante o dia inteiro. Cortara nas despesas, vendera alguns móveis e até hipotecara Mills Ferry, a casa da sua família há dez gerações. Desesperada, chegara a aceitar dinheiro emprestado do seu vizinho, Norm Decker. Mesmo assim, as contas empilhavam-se na sua secretária. Sendo uma pessoa sóbria por natureza, as dívidas punham-na nervosa e rondar a ruína desconcertava-a. Mas o que podia fazer? Qualquer mudança, mesmo que fosse mínima, confundia a sua avó e deixava-a num estado de agitação durante vários dias. Perder a sua casa acabaria com ela.

Por isso, ela esforçava-se para manter a casa, mas a não ser que acontecesse um milagre depressa…

Naquele momento, ouviu a porta da entrada e deu uma palmadinha no ombro da sua avó.

– Lottie já chegou, avó. Continua a olhar para o cardeal, eu volto assim que o jantar esteja pronto.

Atravessou a sala e entrou no espaçoso hall. Depois do acidente fechara a maior parte da casa para poupar nas contas de aquecimento e electricidade: as águas-furtadas, a despensa, todos os quartos vazios, a sala de jantar e todo o terceiro andar. Mudara a sua avó para o primeiro andar, para que tivesse mais fácil acesso, e ela ficara com o quarto mais pequeno do segundo andar.

Tentara alugar o quarto principal, mas Millstown não atraía turistas e ninguém respondera ao seu anúncio.

– Começa a fazer frio – disse Lottie, tirando o casaco de lã para o pendurar no bengaleiro da entrada. – Se continuar assim, nevará antes do dia de Acção de Graças.

– Oxalá te enganes! – com aquela seca pertinaz, precisavam muito da humidade que traria a neve, mas isso também significaria mais frio e um aumento das contas que não se podia permitir.

Lottie tirou a boina e compôs os caracóis grisalhos.

– Deixei o teu correio em cima da secretária – disse-lhe.

– Obrigada, Lottie – e, ao pensar no monte de contas a aumentar sem parar, sentiu que a dor de cabeça aumentava. Levou uma mão à têmpora.

– Dói-te novamente a cabeça?

– Estou bem – respondeu ela e forçou um sorriso.

Lottie fora enfermeira, agora estava reformada, e depois da morte do seu marido fora viver para Mills Ferry, para a casinha do jardim. Em troca de casa e comida, Lottie encarregava-se de cuidar da avó de Erin quando esta estava fora. A verdade é que Erin não teria conseguido desenrascar-se sem ela.

– O jantar está pronto. É outra vez atum, espero que não te importes.

– Não me importo nada, mas pensei que esta noite ias sair com Mike.

– Não tenho tempo. Tenho umas redacções para corrigir.

– Se continuares a rejeitar aquele homem, ele acabará por perder o interesse – apontou Lottie atrás dela. – E é um bom homem, coisa que é preciso ter em conta hoje em dia.

Erin tirou umas pegas da bancada da cozinha e abriu a porta do forno. Lottie tinha razão. Mike era um homem alegre, o tipo de homem que assentaria e formaria um lar. E ela gostava de falar com ele no trabalho. Muito, mas naquele momento não tinha tempo para saídas.

– Ele também tem trabalhos para corrigir e compreende.

– Talvez, mas tu continuas a precisar de relaxar. Estás sempre a trabalhar ou a contribuir como voluntária.

– Não é crime manter-me ocupada.

– Não, mas as pessoas aproveitam-se de ti, querida. A cidade não cairá aos bocados se tu disseres que não uma única vez.

Erin tirou a caçarola do forno e colocou-a na bancada, ao lado de um prato de feijões. Era verdade que fazia mais do que lhe correspondia, mas não se importava. Adorava ajudar os outros.

Lottie suspirou e abriu a gaveta dos talheres.

– Não digas que não te avisei quando caíres doente com um esgotamento. É verdade, passei por casa de Norm.

– Como está?

– Não muito bem.

Erin sentiu uma pressão dolorosa no coração. Norm fora o melhor amigo da sua mãe e a pessoa mais generosa que conhecia. Não conseguia suportar a ideia de que fosse morrer.

– Pelo menos, Wade chegou a tempo – disse Lottie.

Wade. Erin ficou gelada e levou alguns segundos a voltar a respirar. Lottie não podia saber, pensou desesperadamente. Ninguém sabia, além dela e Wade. Lottie só estava a conversar sem nenhuma intenção.

– Ainda bem – respondeu Erin pendurando as pegas num gancho da parede e rezando para que a sua voz parecesse normal.

– E Norm disse que ficará connosco.

– O quê? – Erin deixou de pensar. – Quem vai ficar connosco? Norm?

– Não, claro que não. Wade – Lottie contou os talheres necessários e fechou a gaveta. – No outro dia, Norm perguntou-me pelo quarto, mas esqueci-me de te dizer. Deduzi que não haveria problema, visto que continuas a pôr o anúncio.

O coração de Erin disparou. Wade em sua casa? A alugar-lhe o quarto? Wade?

– Na verdade, provavelmente deve estar a chegar – acrescentou Lottie. – Vou pôr mais um prato para o caso de ele ter fome.

Erin olhou boquiaberta para Lottie. Wade ia para lá?

– Estás bem, querida? – perguntou Lottie, inclinando a cabeça.

– Sim – respondeu ela. – É só que… É melhor ir ver se o quarto está bem e ligar o aquecimento. Podes cuidar da minha avó?

– Claro. Eu trato de Mae.

Erin saiu da cozinha e subiu as escadas de dois em dois degraus. Entrou no quarto principal e fechou a porta atrás de si.

Wade Winslow. Ali. Em sua casa.

Oh…!

Colocou uma mão sobre o coração e tentou acalmar-se. Tinha de recuperar a calma. A questão de Wade acontecera há anos, há doze anos exactamente: uma noite incrível de paixão que significara tudo para ela e nada para ele.

Mas não podia culpá-lo. Ela sempre soubera que ele não ficaria, embora tivesse esperado… Mas não era o momento para se lamentar.

Endireitou-se e atravessou o quarto. Tirou uma folha emoldurada da parede. Era o poema de Wade. Ao olhar para ele, lembrou-se daquela noite, do barulho da sua mota a afastar-se.

Ainda guardava no coração uma mistura dolorosa de desejo, paixão, compreensão e desolação, que era o que sentia por Wade.

Erin suspirou. Já se passara mais de uma década e Wade era agora um velho amigo, um antigo companheiro de escola. Um hóspede que as ajudaria a pagar as contas.

E conseguiria gerir aquela situação. Claro que conseguiria. Foi ao armário e escondeu o quadro por debaixo de uma colcha, na gaveta inferior. Ligou o aquecimento, alisou a cama e pôs toalhas limpas na casa de banho. Satisfeita, dirigiu-se para a porta.

Parou assim que colocou a mão na maçaneta. Gerir? Gerir Wade Winslow? A quem tentava enganar?

Teria de pôr rédea curta no seu coração.

Capítulo 2

 

Wade conduziu a toda a velocidade pela estrada que ladeava o rio Potomac, tentando que o vento levasse a raiva que o invadia. Quando atravessou a ponte que levava a Mills Ferry, a sua raiva tornou-se frustração.

Por que razão Norm lhe escondera a verdade? Por que razão Max não lhe contara? Porque não podia fazer nada?

Com um nó no estômago, parou no bosque que havia à entrada de Mills Ferry e tirou o capacete. Olhou para o leito do rio e viu um bando de pardais a levantar voo até se transformar num monte de pontos negros sobre um céu cinzento como uma lápide: a mesma cor da pedra, o rio e tudo naquela maldita cidade. Fechou os olhos. Raios, o cheiro… aquele maldito cheiro! Era o mesmo de quando a sua mãe morrera e de quando, mais tarde, Rose morrera.

Lutou contra a dor materializada num nó na garganta e abriu os olhos. Estava esgotado. Precisava de dormir, esse era o problema. De manhã, com a mente clara, encontraria um modo de ajudar Norm.

Ligou a Harley e, sem se incomodar em colocar o capacete, conduziu os quinhentos metros que o separavam do fim do caminho. Continuava sem conseguir acreditar que Norm quisesse que ficasse ali. Desde quando a senhora McCuen alugava quartos? O que aconteceria se encontrasse Erin?

Sentiu um aperto no estômago só de pensar nisso, mas afastou a ideia da sua mente. Já tinha muitas coisas na cabeça para começar a pensar também em Erin.

Parou em frente ao portão de ferro forjado da mansão e reparou no cartaz a anunciar que se alugavam quartos. Norm tinha razão, mas por que razão tinha a senhora McCuen hóspedes? Nunca pensara que precisasse de dinheiro.

Sem parar de pensar naquilo, entrou no caminho de cascalho ladeado de carvalhos e continuou em direcção à casa, embora não sem dificuldade, uma vez que o caminho estava cheio de buracos e de ramos secos de árvores que ameaçavam fazê-lo cair da mota.

Na sua juventude, Mills Ferry representara para ele tudo o que não tinha: história, tradição, sociedade do velho mundo e riqueza. E aquela casa era uma peça de museu: o exterior de madeira estava bem pintado e havia flores por todo o lado, mas as folhas secas amontoavam-se à entrada e contra as taipas de pedra.

Estacionou a Harley à frente da porta, junto a um Honda Civic azul um pouco desbotado. Com um resmungo, espreguiçou-se e saiu da mota, colocando o saco de couro ao ombro.

Meu Deus, estava esgotado! E tinha o joelho novamente rígido. Contornou, a coxear, as azáleas da entrada e subiu as escadas do alpendre. As tábuas dobraram e rangeram sob o seu peso.

Abanando a cabeça, chegou à porta enorme e tocou à campainha. Ao ver que não tocava, colocou as mãos nas ancas. O que se passava com aquele sítio? Não compreendia como a senhora McCuen o tinha tão abandonado. Porque não o vendia? Isso era ainda mais difícil de imaginar.

Com o sobrolho franzido, deu uma olhadela ao alpendre em ruínas e recordou a imagem que tinha trazido na sua mente durante todos aqueles anos: Erin ali, linda, segura na sua mansão elegante, intacta excepto naquela noite… Mas e se não estivesse assim tão segura? E se ele se enganasse?

Sentiu aparecer um sentimento de culpa, mas afastou-o. Tinha muito claro que não iria voltar a pensar naquilo. Erin e Mills Ferry não lhe diziam respeito. A única coisa com que tinha de se preocupar naquela noite era em dormir.

Pegou na aldraba de ferro e deixou-a cair algumas vezes. Depois, apoiou o braço contra o gonzo da porta e esperou…

 

 

Ao ouvir baterem à porta, o coração de Erin parou. Durante alguns segundos, agarrou-se ao seu guardanapo, incapaz de se mexer e de pensar.

– Deve ser Wade – disse Lottie alegremente. – Vou abrir.

– Oh, não! Tenho de lhe mostrar o quarto, explicar-lhe os horários das refeições…

Estava a balbuciar. Evitando o olhar inquisitivo de Lottie, deixou o guardanapo sobre a mesa e apertou a mão à sua avó.

– Volto já, avó.

Saiu da cozinha e dirigiu-se para o hall com o coração a bater descontrolado. Era uma tolice sentir-se daquele modo, pensou. Poderia agir com normalidade o pouco tempo que ele estivesse ali. Afinal de contas, já não tinha nada a ver com ela.

Tentou aparentar ser uma vizinha serena e amigável, e abriu a porta. O fôlego ficou-lhe preso na garganta.

Wade enchia a entrada, com um braço sobre o gonzo da porta e o outro na anca, e vestia um casaco de cabedal. Era mais alto do que ela recordava, mais largo e muito mais musculado do que quando era adolescente. Mas tinha o mesmo cabelo curto castanho e a mesma expressão de então.