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Sumário

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O Autor

Patrício, apresento-te Blau

O mate do João Cardoso

Deve um queijo!...

O boi velho

Juca Guerra

Melancia, coco verde

Contrabandista

About the Publisher

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O Autor

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João Simões Lopes Neto (Pelotas, 9 de março de 1865 — Pelotas, 14 de junho de 1916), foi um escritor e empresário brasileiro. Segundo estudiosos e críticos de literatura, foi o maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, pois procurou em sua produção literária valorizar a história do gaúcho e suas tradições.

Simões Lopes Neto só alcançou a glória literária postumamente, em especial após o lançamento da edição crítica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, em 1949, organizada para a Editora Globo, por Augusto Meyer e com o decisivo apoio do editor Henrique Bertaso e de Érico Veríssimo.

Filho dos pelotenses Capitão Catão Bonifácio Simões Lopes e Teresa de Freitas Ramos, ele era neto paterno do visconde da Graça, João Simões Lopes, e de sua primeira esposa, Eufrásia Gonçalves Vitorino, e neto materno de Manuel José de Freitas Ramos e de Silvana Claudina da Silva. Nasceu em Pelotas, na estância da Graça, propriedade de seu avô paterno, o visconde da Graça. Era membro duma tradicional família pelotense, e possuía ancestrais portugueses, de origem tanto açoriana como continental, tendo ambos os seus antepassados emigrado para o Brasil em busca de melhores condições de vida.

Com treze anos de idade, Simões Lopes Neto foi ao Rio de Janeiro para estudar no famoso Colégio Abílio. Retornando ao Rio Grande do Sul, fixou-se em sua terra natal, Pelotas, uma cidade então rica e próspera pelas mais de cinquenta charqueadas que formavam a base de sua economia.

Simões Lopes Neto envolveu-se em uma série de iniciativas de negócios que incluíram uma fábrica de vidros e uma destilaria. Porém, os negócios fracassaram. Uma guerra civil no Rio Grande do Sul - a Revolução Federalista - abalou duramente a economia local. Depois disso, construiu uma fábrica de cigarros. A marca dos produtos, fumos e cigarros, recebeu o nome de "Diabo", o que gerou protestos de religiosos. Sua audácia empresarial levou-o ainda a montar uma firma para torrar e moer café, e desenvolveu uma fórmula à base de tabaco para combater sarna e carrapatos. Ele fundou ainda uma mineradora, para explorar prata em Santa Catarina.

No dia 5 de maio de 1892, em Pelotas, Simões Lopes Neto casou-se com Francisca de Paula Meireles Leite, filha de Francisco Meireles Leite e Francisca Josefa Dias. Ele tinha vinte e sete anos de idade e ela, dezenove anos. Não tiveram filhos.

Entre 15 de outubro e 14 de dezembro de 1893, Simões Lopes Neto, sob o pseudônimo de "Serafim Bemol", e em parceria com Sátiro Clemente e D. Salustiano, escreveram, em forma de folhetim, "A Mandinga", poema em prosa. Mas a própria existência de seus coautores é questionada. Provavelmente foi uma brincadeira de Simões Lopes Neto.

Em certa fase da vida, muito empobrecido, sobreviveu como jornalista em Pelotas. Morreu na mesma cidade, aos cinquenta e um anos, de uma úlcera perfurada.

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Patrício, apresento-te Blau

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Patrício, apresento-te Blau, o vaqueano.

— Eu tenho cruzado o nosso Estado em caprichoso ziguezigue. Já senti a ardentia das areias desoladas do litoral; já me recreei nas encantadoras ilhas da lagoa Mirim; fatiguei-me na extensão da coxilha de Santana; molhei as mãos no soberbo Uruguai; tive o estremecimento do medo nas ásperas penedias do Caverá; já colhi malmequeres nas planícies do Saicã, oscilei sobre as águas grandes do Ibicuí; palmilhei os quatro ângulos da derrocada fortaleza de Santa Tecla, pousei em São Gabriel, a forja rebrilhante que tantas espadas valorosas temperou, e, arrastado no turbilhão das máquinas possantes, corri pelas paragens magníficas de Tupaceretã, o nome doce, que no lábio ingênuo dos caboclos quer dizer os campos onde repousou a mãe de Deus...

— Saudei a graciosa Santa Maria, fagueira e tranqüila na encosta da serra, emergindo do verde-negro da montanha copada o casario, branco, como um fantástico algodoal em explosão de casulos.

— Subi aos extremos do Passo Fundo, deambulei para os cumes da Lagoa Vermelha, retrovim para a merencória Soledade, flor do deserto, alma risonha no silêncio dos ecos do mundo; cortei um formigueiro humano na zona colonial.

— Da digressão longa e demorada, feita em etapas de datas diferentes, estes olhos trazem ainda a impressão vivaz e maravilhosa da grandeza, da uberdade, da hospitalidade.

— Vi a colméia e o curral; vi o pomar e o rebanho, vi a seara e as manufaturas; vi a serra, os rios, a campina e as cidades; e dos rostos e das auroras, de pássaros e de crianças, dos sulcos do arado, das águas e de tudo, estes olhos, pobres olhos condenados à morte, ao desaparecimento, guardarão na retina até o último milésimo da luz, a impressão da visão sublimada e consoladora: e o coração, quando faltar ao ritmo, arfará num último esto para que a raça que se está formando, aquilate, ame e glorifique os lugares e os homens dos nossos tempos heróicos, pela integração da Pátria comum, agora abençoada na paz. —

E, por circunstâncias de caráter pessoal, decorrentes da amizade e da confiança, sucedeu que foi meu constante guia. e segundo o benquisto tapejara Blau Nunes, desempenado arcabouço de oitenta e oito anos, todos os dentes, vista aguda e ouvido fino, mantendo o seu aprumo de furriel farroupilha, que foi, de Bento Gonçalves, e de marinheiro improvisado, em que deu baixa, ferido, de Tamandaré.

Fazia-me ele a impressão de um perene tarumã verdejante, rijo para o machado e para o raio, e abrigando dentro do tronco cernoso enxames de abelhas, nos galhos ninhos de pombas...

Genuíno tipo — crioulo — rio-grandense (hoje tão modificado), era Blau o guasca sadio, a um tempo leal e ingênuo, impulsivo na alegria e na temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável; e dotado de uma memória de rara nitidez brilhando através de imaginosa e encantadora loquacidade servida e floreada pelo vivo e pitoresco dialeto gauchesco.

E, do trotar sobre tantíssimos rumos; das pousadas pelas estâncias; dos fogões a que se aqueceu; dos ranchos em que cantou, dos povoados que atravessou; das cousas que ele compreendia e das que eram-lho vedadas ao singelo entendimento; do pêlo-a-pêlo com os homens, das erosões da morte e das eclosões da vida, entre o Blau — moço, militar — e o Blau — velho, paisano —, ficou estendida uma longa estrada semeada de recordações — casos, dizia — , que de vez em quando o vaqueano recontava, como quem estende, ao sol,para arejar, roupas guardadas ao fundo de uma arca.

Querido digno velho!

Saudoso Blau!

Patrício, escuta-o.

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O mate do João Cardoso

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A la fresca!... que demorou a tal fritada! Vancê reparou?

Quando nos apeamos era a pino do meio-dia... e são três horas, largas!... Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se pusessem galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e só então bater esta fritada encantada, que vai nos atrasar a troteada, obra de duas léguas... de beiço!...

Isto até faz-me lembrar um caso.. . Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso?... Não?... É pena.

O João Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes; bom velho, muito estimado, mas chalrador como trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades.

Também... naquele tempo não havia jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de ouvido para ouvido. Eu, o primeiro jornal que vi na minha vida foi em Pelotas mesmo, aí por 1851.

Pois, como dizia: não passava andante pela porta ou mais longe ou mais distante, que o velho João Cardoso não chamasse, risonho, e renitente como mosca de ramada; e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito de detrás da orelha, pigarreava e dizia:

— Olá! Amigo! apeie-se; descanse um pouco! Venha tomar um amargo! É um instantinho.... crioulo?!...

O andante, agradecido à sorte, aceitava... menos algum ressabiado, já se vê.